(Crônica publicada no Globo)

CACÁ

Luis Fernando Verissimo

Sou Salgueiro, mas duvido que se ouvirá um samba enredo melhor do que o da Mangueira no desfile das escolas do Rio, no ano que vem. O samba é em homenagem à Marielle Franco, vítima por duas vezes, das balas dos assassinos e do descaso das autoridades em identificá-los.

Dizem que o que está dificultando a investigação é que todo o mundo sabe quem foram os atiradores e quem são os mandantes, a questão agora é decidir se vale a pena denunciá-los ou se é melhor deixar tudo, brasileiramente, pra lá – “lá” sendo aquele lugar em que nossos crimes e nossas culpas vão para serem convenientemente esquecidos.

O samba da Mangueira homenageia a Marielle, mas também fala sobre um Brasil desejado, “o Brasil que não está no retrato”, que não é o falso Brasil da história ensinada nas escolas. Agora, querem que a história oficial seja única e sem contestação.

Boa parte da nossa história oficial é mentirosa, ou apena uma versão entre outras versões possíveis do que realmente aconteceu. Contestá-la não é fazer doutrinação ideológica, é uma maneira de formar, não pequenos comunistas, mas alunos capazes de aceitar a diversidade e as razões por trás do que aparentam ser apenas histórias de triunfos e heróis.

Ouvi o samba da Mangueira na internet, cantado pela turma de compositores da escola com uma participação importante, a da Cacá (guarde este nome) Nascimento, uma menina que não deve ter mais do que doze anos, com uma bela voz e uma bela cara.

Quero agradecer a Cacá. Às vezes, quando a gente está por baixo, pensando o pior da humanidade, alguma coisa vem e nos salva. Você recupera a esperança, o apetite e o prumo existencial, seja isso o que for.

Aconteceu comigo vendo o sorriso aberto da Cacá cantando Marielle. O rosto da Cacá apaga tudo de ruim deste momento nacional. É o rosto da nossa reação. Lidere-nos, Cacá.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Website Protected by Spam Master


8 + 3 =