‘Tenho receio sobre o futuro dos direitos humanos no país’, diz procurador federal

Foto de Dida Sampaio/Estadão

Entrevista a Teo Cury / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Procurador federal dos Direitos do Cidadão, Domingos Sávio Dresch da Silveira, de 56 anos, avalia que adotar o encarceramento indiscriminado como política de segurança pública “nunca foi e não é a solução”, além de ser “muito caro”. Ocupando o segundo posto na hierarquia da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão ligado à Procuradoria-Geral da República (PGR), Silveira afirma ter “bastante receio com relação ao futuro dos direitos humanos no Brasil” ao tratar da gestão do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

Entre as propostas defendidas por Bolsonaro, estão o fim da progressão de penas, de saídas temporárias e das audiências de custódia, além do redirecionamento da política de direitos humanos. “Afirmações de que progressão de regime, ‘saidão’ e a pretensão do superencarceramento como forma de aumentar a segurança são ideias pré-revolução francesa, medievais.” A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que esperar do futuro governo em relação a temas ligados aos direitos humanos?

O que há de oficial é o programa de governo, e o que foi formalizado no Tribunal Superior Eleitoral traz algumas preocupações muito claras. Por exemplo, no que diz respeito aos índios e às terras indígenas, em que há uma afirmação – reafirmada depois das eleições – de que não haverá novas demarcações. Tenho preocupações em relação a alguns avanços, como o direito à saúde para todos, à educação inclusiva para pessoas com deficiências e à política de cotas. E outras preocupações como o avanço sobre direitos humanos de primeira geração, como a liberdade de cátedra, que está na Constituição. Isso tudo me faz ter bastante receio com relação ao futuro dos direitos humanos no Brasil.

O sr. acredita que essas propostas podem se concretizar?

Tenho só a expectativa e desejo que tudo que venha a ser feito respeite a Constituição. Se não respeitar, teremos o Ministério Público e o Judiciário para modular e levar essas políticas públicas aos limites do que é possível. E o limite do que é possível neste País é a Constituição. Tenho uma preocupação com a ideia de ‘direitos humanos para humanos direitos’, que, inclusive, está no plano de governo.

Essa frase tem aparecido quando o tema é trazido à discussão.

Esse conjunto de chavões é antidireitos humanos. Essa frase diz que existe uma parcela de seres humanos que são sujeitos de direitos humanos e outra descartável. E isso é violador porque depreende-se que existem seres humanos que não merecem a proteção dos direitos humanos e, portanto, podem e devem ser abatidos, como disse o governador eleito do Rio (Wilson Witzel).

O que esperar do novo governo na tentativa de resolução da crise do sistema prisional brasileiro?

Não ouvi em nenhuma entrevista, e não está no plano de governo, quais vão ser as soluções da crise da superlotação do sistema prisional e como resolver essa questão. Afirmações de que progressão de regime, “saidão”, cumprimento de um sexto da pena e a pretensão do superencarceramento como uma forma de aumentar a segurança da população são todas ideias pré-revolução francesa. São medievais. Seriam compatíveis com uma sociedade de muitos séculos atrás. E são inteiramente ad delirium da realidade que vivemos do sistema prisional e carcerário.

Fala-se no aumento do número de prisões.

São 723 mil presos em 386 mil vagas, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, e 500 mil mandados de prisão aguardando para serem cumpridos. A ideia é colocar todas essas pessoas presas e que permaneçam presas como solução? Temos visto que o descontrole do sistema prisional é tão grande que os presídios se tornaram realmente sucursais de organizações criminosas. Além de tudo, se analisarmos pela fria questão econômica, vamos ver que o sistema prisional brasileiro, além de ser ineficiente, é muito caro.

Como o sr. avalia a adoção do Escola sem Partido?

Acho que é uma impropriedade. O problema da educação no Brasil é outro. O problema, na verdade, é como captar atenção de uma geração que não tem nada a ver com a sala de aula, que aprende e que tem muito a aprender, mas que os recursos que a sala de aula dispõe são incompatíveis com a forma de aprender dessa geração.

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