A faísca

Alguém em algum momento terá que cometer o grande gesto, aquele gesto demarcatório que conduz a uma reação coletiva e acaba por provocar mobilizações pela democracia. Um gesto que não precisa ser de um político, de uma celebridade e muito menos de um salvador.

Um gesto de alguém com autoridade moral para confrontar o golpe com sua imoralidade e sua fragilidade. Um gesto aparentemente singelo, mas suficiente, por sua força simbólica, para abalar a estrutura de poder dos corruptos.

Imagino, por idealização, que esse gesto pode ser cometido pelo curador de arte Gaudêncio Fidelis, perseguido desde a suspensão da exposição Queermuseu, no Santander, por pressão da extrema direita.

Gaudêncio terá de depor, sob condução coercitiva, à CPI dos Maus Tratos de Crianças e Adolescentes, por exigência do senador Magno Malta, um dos porta-vozes do fascismo religioso no Brasil.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, negou a Gaudêncio o direito de depor voluntariamente. Não há surpresa nessa decisão. Moraes não precisou plagiar ninguém para determinar que Gaudêncio seja conduzido pela polícia à CPI do Senado.

E agora? Agora Gaudêncio poderia, com sua inteligência, aproveitar o teatro montado no Senado e desnortear o golpe. Não imagino que deva ser herói ou valentão em meio a hienas, mas que aproveite a chance de se defender e de ser o defensor de todos nós.

Falta uma faísca para que o golpe, como já aconteceu antes em tantos outros lugares em circunstâncias semelhantes, sucumba ao poder da maioria. E a maioria está saturada do golpe.

É preciso acionar essa faísca. Gaudêncio pode tentar, outros também poderão tentar mais adiante. A arte tem esse poder de provocar e desestabilizar os fascistas. Falta a faísca.

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