Conversa bíblica

Contei ao meu amigo Abrão Slavutszy que um dia acordo eufórico e no outro acordo depressivo. Não tem meio termo. Desde o golpe de agosto é assim. Até os sabiás da Aberta dos Morros sabem.

Hoje, acordei em estado de euforia. Me dei conta finalmente do tamanho do crescimento de 0,2% da economia no último trimestre. É algo real, concreto, palpável.

Tive um lampejo de lucidez. Eu posso ver, pegar e cheirar o crescimento de 0,2%. Quem ainda não teve essa experiência deve aprimorar os sentidos. O crescimento de 0,2% é para ser percebido pelos sensitivos.

Os jornais, todos os jornais, dizem que os governistas entram forte nas eleições do ano que vem por causa de 0,2%. Até o Padilha pode concorrer ao que quiser. O Jucá pode chegar à presidência (e sem precisar do Supremo).

O gás já dobrou de preço desde o golpe, mas o Brasil cresceu 0,2%. O Brasil é um país feliz. É o único país do mundo em que uma mexida de 0,2% na economia, e somente num trimestre, quer dizer alguma coisa em meio a 13 milhões de desempregados.

O Brasil é o único país em que a gasolina sobe todas as semanas e os comentaristas econômicos comemoram a queda da inflação. E a queda da inflação é apenas o sinal de que a economia foi esfacelada, de que muita gente não consegue comprar comida. Mas a economia cresceu 0,2%.

O doutor Abrão, psicanalista, psiquiatra e escritor, mas apenas meu amigo, ficou me escutando. Amanhã, se estiver depressivo, quero falar de novo com o Abrão.

Eu telefono e ele logo anuncia: Abrão está aqui para escutar Moisés. E escuta. Que paciência bíblica.

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