O ALMOÇO

Um pai e um filho discutem sobre as virtudes e os defeitos de Bolsonaro. Os dois com diploma de curso superior. Com boa renda, boas leituras, boas amizades importantes.

É o filho quem alerta o pai para os perigos da sua adesão apaixonada ao candidato da extrema direita. E o pai diz ao filho que se frustra porque percebe agora que ele não aprendeu com seus ensinamentos.

O avô entra então na conversa. Não para ficar ao lado do neto, como vocês acham que seria, mas ao lado do filho.

E chega a mãe do filho. E a mãe do filho fica ao lado do filho. E argumenta que é inacreditável que alguma mulher possa votar em Bolsonaro.

E chega a avó do neto com um prato de maionese. E a avó também fica ao lado do neto. E sai do quarto a irmã do filho do pai que vota no Bolsonaro.

E a irmã também diz que votar em Bolsonaro seria admitir que as mulheres devem se submeter aos machos mais primitivos e mais cruéis e retornar à Idade Média. E a família vai para o almoço de domingo dividida.

Esta cena, que se repete por aí a toda hora, é pior do que as cenas do tempo da ditadura.

Porque no tempo da ditadura as famílias se dividiam, mas a perspectiva e o sonho da democracia eram um aceno de que tudo logo adiante se resolveria.

Que a luta contra o arbítrio fazia algum sentido e que no fim a vitória seria da civilização. Como acabou sendo, pelo menos até agosto de 2016.

Hoje, no pós-golpe de 2016, não se sabe mais nada, porque o eleitor de Bolsonaro não é o que a direita chamaria de ignorante, é o cara aparentemente bem formado, bem informado e bem endinheirado. E esse cara defende Bolsonaro porque defendeu o golpe.

E assim a humanidade caminha para o almoço do domingo. Quando chegam o irmão do pai que vai votar no Bolsonaro e mais a mulher dele carregando uma sacola plástica com um frango assado de TV de cachorro.

E a tia larga o frango sobre a mesa e inventa de dizer que vai torcer para a Croácia. E o pai que vai votar no Bolsonaro diz que não acredita, porque a Croácia é um país com forte presença de neonazistas.

E o tio, casado com a tia que vai torcer para a Croácia, diz que torcerá pela França, porque o que importa é a liberdade, a igualdade e a fraternidade. E que exatamente por isso também vota em Bolsonaro.

O tio começa a esquartejar o frango. A Croácia faz um gol.

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