PAIS

Quando militantes das esquerdas e em especial do PT entraram em aflição, em meio às alianças de Brasília que denunciavam as concessões à direita, nos primeiros anos do séculos 21, eu decidi ouvir algumas pessoas para uma reportagem.

Para onde iria a esquerda que enfrentara a ditadura e agora fazia acordos com o que o país tinha de pior?

Uma professora de Novo Hamburgo, militante da resistência numa organização clandestina abrigada no MDB, nos piores anos pós-64, me disse o seguinte: o pessoal da esquerda tem que reaprender a cuidar mais da casa, da mulher e dos filhos, para que a partir daí se habilite a cuidar do país e a querer mudar o mundo.

Era a crítica de uma mulher ainda machucada por um desenlace afetivo (ela pediu para não aparecer na reportagem que fiz para Zero Hora, mas seu depoimento orientou parte das entrevistas que fiz a partir dali). O que ela dizia certamente não era expressão de uma regra ou da maioria. Ela tratava de uma exceção.

Mas essa exceção existiu, à direita e à esquerda. E foi devastadora para as esquerdas. Nesse Dia dos Pais, penso no que ela me disse há quase duas décadas.

O que mudou no atavismo machista das esquerdas que as habilitem a cuidar da casa, da mulher e dos filhos, enquanto pretendem cuidar de projetos, demandas e sonhos coletivos? Que fundamento há na avaliação dessas posturas individuais para que se tenha a compreensão dos tropeços coletivos?

A professora lá daquela entrevista tinha uma tese. A política havia caminhado em direção à desqualificação porque a maioria dos eleitos era formada por sujeitos que pouco ligavam para os cuidados elementares dos que estavam ao seu redor.

O Congresso dos 300 picaretas e dos que derrubaram Dilma prova alguma coisa? A esquerda não soube se defender nem dos pilantras e dos picaretas?

A política dita progressista no Brasil estaria sendo exercida por históricos omissos com a própria casa, submetidos às armadilhas de corruptos miúdos e graúdos, oportunistas e sádicos, a mando de empresários, da imprensa e do Judiciário?

É uma armadilha reducionista? Não entro nessa da depreciação da política. Mas a coisa ficou feia depois do golpe.

A esquerda refeita de equívocos, sustos e artimanhas da direita deve saber avaliar o que se passou nas últimas duas décadas. Para não repetir os mesmos erros e para saber reagir aos avanços do reacionarismo e do fascismo.

Feliz Dia dos Pais a todos os que se redimem e tentam reparar seus erros, depois de acharem que salvariam o mundo antes de salvarem os que estavam por perto.

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