A dúvida filosófica do colunista da Folha: e se Marçal ressuscitar os mortos?
Este é o começo de reportagem de Anna Virginia Balloussier, nesta terça-feira na Folha, sobre os ‘milagres’ do ex-coach e estelionatário condenado Pablo Marçal:
“Visualiza você no reino, plena, andando e dançando com o Senhor”, Pablo Marçal instiga uma cadeirante da plateia. Ela tenta se levantar com ajuda de um assistente do dono do show, mas bambeia, sem conseguir se sustentar sobre as pernas.
A cena aconteceu no Chamado dos Generais do Reino, evento promovido por Marçal em 2021, num auditório goiano. O encontro, segundo seu protagonista, serviu para desbloquear a inteligência emocional dos 16 mil ali presentes, fora outros milhares assistindo online”.
E logo abaixo eu compartilho trecho da coluna de Joel Pinheiro da Fonseca, que se apresenta como economista graduado também em filosofia, na mesma Folha:
“Marçal não é mero voto de protesto, como Tiririca foi no passado. Ele concentra, sim, a revolta (contra a política tradicional, contra a imprensa), mas traz também um valor positivo. Ele oferece ao eleitor algo em que acreditar. Encontrou o ponto ideal entre o discurso das igrejas e o discurso de coach. Predestinação divina e conquista por mérito próprio se fundem num pacote único. Se ele realmente é capaz de entregar os milagres que promete — ou se é um estelionatário — é uma outra questão”.
O resumo possível, e talvez desnecessário, colocando-se um texto diante do outro. A Folha denuncia, com os recursos do jornalismo, os ‘milagres’ do farsante em uma reportagem com detalhes da farsa.
E o colunista economista-filósofo da mesma Folha considera a possibilidade de que os milagres possam acontecer. O articulista apresenta uma dúvida que aciona uma inquietação: e se o cara ressuscitar mesmo os mortos?
Ele escreve, quase em tom bíblico, sobre o sujeito: “Encontrou o ponto ideal entre o discurso das igrejas e o discurso de coach. Predestinação divina e conquista por mérito próprio se fundem num pacote único”.
Predestinação divina. Entenderam? Os filósofos enxergam o que pessoas comuns não conseguem ver. Se for um filósofo alinhado com a direita e embevecido com os milagreiros da extrema direita, enxerga ainda mais. Joel Pinheiro da Fonseca pode se candidatar a ser um dos evangelistas de Pablo Marçal.
Prezado Moisés,
hoje um painelista do The Guardian, comentando o debate de ontem entre a Harris e o trump, manifestou a opinião de que se Harris não se endereçar, como não teria feito no debate a pesar de vencê-lo, ao ódio “justificado” do eleitorado norte-americano, ela poderá ser a Hillary 2.0. É certamente questionável se tal ódio está “justificado”. Talvez seja preciso, no entanto, desarmá-lo. mas para tal é necessário entendê-lo antes.
Posso não concordar com as analíses do Joel Pinheiro, mas no que citaste na tua coluna não consigo ver um endosso da visão de que o Marçal possa ser milagreiro. Ele só disse que essa é uma outra questão (bem como a de se ele é golpista de internet). E o que ele procurou fazer foi dizer porque o Marçal “dá certo” com o seu eleitorado. Concedo que o modo de se expressar não foi muito feliz, e acho que foi isso que te fisgou: “realmente”, o advérbio, tem peso, até parece que haveria de alguma maneira como ser o caso. O seu uso Teria tido efeito considerável sobre a outra possibilidade se o Joel tivesse escrito: “se realmente é um estelionatário”. Ou seja, agora teria enfraquecido essa possibilidade. Então, acho que forçaste um pouco a mão. de qualquer modo, parabéns pelo olhar sempre atento.