A golpista que expõe a lerdeza e os vacilos do sistema de Justiça
Fátima de Tubarão é a figura mais exposta e falada como golpista presa, julgada e condenada até agora. Mas nem a extrema direita quer saber de Maria de Fátima Mendonça Jacinto como exemplo de mártir do que chamam de perseguição do Judiciário aos invasores de Brasília no 8 janeiro.
Ninguém usa o nome de Fátima para pedir anistia aos golpistas. O bispo goiano Adair José Guimarães, de Formosa, fez uma homilia em defesa dos invasores e citou até uma mulher que teria usado o batom para pichar a estátua da deusa Têmis sentada diante do STF com “perdeu, mané”. Não disse nada sobre Fátima de Tubarão.
Essa semana, o Supremo negou a Fátima, condenada a 17 anos de prisão, os benefícios da não persecução penal, que poderia trocar a prisão por punições mais brandas. Fátima tem 67 anos, pediu clemência e não levou, porque seu caso é grave.
E aí está a mais famosa figura do 8 de janeiro, sem concessões do Judiciário e sem apoio dos fascistas. Supõe-se, por tudo o que aconteceu até agora, que ao pegar Fátima e similares o sistema de Justiça pretendia chegar aos chefes.
Sendo implacável com os manés, o STF daria o exemplo de que não haverá moleza com golpistas e que suas atitudes não podem se repetir. Mas se viu que não é assim que funciona.
Golpistas fugiram para a Argentina, outros candidataram-se nas eleições municipais e alguns até se negaram a assinar o pedido de não persecução, oferecido pelo STF a eles, mas negado pela mesma Corte a Fátima de Tubarão.
Pegar os manés não é garantia de que irão se aquietar. Sabe-se que eles estão se rearticulando. Porque se reproduzem pela incitação dos líderes, pela capacidade de organização e de financiamento. A extrema direita nas bases onde germina é um fenômeno movido pelo poder econômico.
E a prova é a Santa Catarina de Fátima de Tubarão. Os líderes do bolsonarismo no Estado pregaram o golpe em locais públicos, depois da eleição de Lula. Estão livres. Argumentos que se ouvem: são poderosos e seus casos dependem de provas robustas.
Gente com muito dinheiro, que dizia temer a volta do comunismo, apostou tudo na revolta nas estradas contra a posse. O sistema de Justiça, que em oito meses prendeu, julgou e condenou os manés do 8 de janeiro, é lento para os ricaços.
São incitadores, financiadores e comandantes do golpe em suas várias manifestações. Grandes sonegadores, contrabandistas, estelionatários, ou quase todos 171, como já disse Lula.
Parece uma comparação forçada, mas não é. É uma comparação tão simples, tão óbvia, que permite dizer o seguinte sobre o caso de Fátima. É como se, depois da guerra, Nuremberg tivesse julgado os recrutas alemães pelas matanças de Hitler, para só depois, com as provas robustas, tentar chegar aos chefes nazistas.
Fátima foi condenada porque era uma soldada rasa sem força política e econômica. Não tem tudo o que os impunes poderosos têm, em toda parte. E têm muito mais na Santa Catarina de Fátima, o mais bolsonarista de todos os Estados.
O tempo anda de mãos dadas com esses impunes, enquanto a folha corrida de Fátima diz que ela participou de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, de golpe de Estado, de associação criminosa armada, de dano qualificado contra bens públicos e de deterioração de patrimônio tombado.
Durante a invasão, Fátima era uma das figuras mais entusiasmadas. Num vídeo gravado no 8 de janeiro, ela grita: “Vamos para a guerra, é guerra agora. Vamos pegar o Xandão agora”.
Os líderes de Fátima estão certos até agora de que, se eles não pegaram todo o sistema que pegou os manés, pelo menos o imobilizaram, ou algo já teria acontecido. Vai acontecer, é o que se ouve, mas fora do tempo? Quantos, de mãos dadas com o vacilo e o tempo amigo, irão escapar por falta de provas robustas?
Fátima de Tubarão pode não ser uma mártir do fascismo, mas seu caso já é quase uma excrescência do que deveria ter sido o cerco aos golpistas. Daqui a pouco o 8 de janeiro faz dois anos. E o golpe vinha sendo articulado muitos anos antes.
Deixem o Xandão trabalhar.