A mais bela invenção humana

Abrão Slavutzky

Psicanalista

Para Galileu Galilei, um dos gênios da humanidade, a mais bela invenção humana é o alfabeto. Ele sustenta que as combinações variáveis de vinte pequenos caracteres permite a comunicação entre pessoas distintas no espaço e no tempo.

Importante destacar o espanto de Galileu ao escrever: “Mas pairando acima de todas essas invenções estupendas, a que altura superior estava a mente daquele que se propôs inventar um modo de comunicar seus mais recônditos pensamentos a não importa que outra pessoa, por mais extenso que fosse o intervalo de tempo e espaço entre ambos?”.

As letras formam palavras que são pontes essenciais para imaginar, amar, mudar. E com as palavras e a imaginação é possível formar essa frase: “Aprender a escrever é colorir o mundo com palavras”. Quem escreveu foi minha neta Carolina, em uma dedicatória à sua professora de redação. As palavras são capazes de colorir o mundo e mudar a vida.

O poder da palavra pode ser percebido numa simples piada. Quem escuta a piada e acha graça (só aí se pode dizer que foi mesmo uma piada) libera no riso desejos agressivos ou eróticos. Aliás, como estamos no fim de um ano tenso, vale a pena contar uma história do poeta Heinrich Heine.

Durante sua vida fez várias críticas à sociedade, aos alemães, mesmo sendo alemão, e teve que se refugiar em Paris. Teve, como poeta e jornalista, muitos inimigos, e por isso um dia escreveu: “Tudo que desejo na velhice é ter paz e tranquilidade, morar numa choupana simples, ter pão e leite fresco, e poder olhar por uma janela para ver as montanhas. E ver no horizonte várias árvores, e que em cada delas estejam dependurados um a um de meus inimigos”.

Se nesse momento o leitor sorriu é porque pôde dar vasão a sua agressividade, tão importante na vida. Aliás, um tema importante é a função do ódio.

Um texto não se resume a palavras em uma página. É algo vivo, capaz de transpor os limites do papel e entrar na vida de quem o lê. Uma frase boa alivia a dor, anima o desanimado, alegra o tristonho. O desafio não é só de quem escreve ou fala, mas de quem lê ou escuta, logo, a palavra é metade do emissor e metade do receptor. As palavras são essenciais na educação, em casa e na escola, todos ensinam falando de alguma forma. Todos são marcados por palavras, frases inesquecíveis, críticas, conselhos. Admiro os que conseguem usar palavras mais calorosas do que as frias. Indispensáveis aí os poetas ou a beleza com que as palavras são vestidas.

O psicanalista passa a vida aprendendo a escutar as palavras, e com o tempo precisa escutar melhor as ligações que vão ocorrendo nas associações que vão sendo feitas. Escuta melhor quem pode perceber a musicalidade do que é dito, as conexões das palavras, inclusive a dimensão engraçada das queixas.

Importante é desenvolver o sentido poético, para escutar o novo no repetitivo. E, principalmente, buscar mais a leveza das palavras que o peso.

Entretanto, convém pensar o alerta de Jean Baudrillard sobre o quanto os valores universais perderam o trem da História, e aí entram também as palavras. Vejam como a justiça, que tanto se vale de palavras, leis, aceita teorias perigosas como a do domínio do fato, o que termina por adoecer gravemente essa senhora chamada democracia. Justiça sem contraditório não existe, e o mesmo se pode dizer das grandes mídias que vêm se transformando em pensamento único.

O problema não são as palavras, mas quem as maneja. E há, às vezes, um manejo perverso sedutor e perigoso na manipulação das pessoas submissas. Aí entra uma variável essencial que é a ética. Uma sociedade onde a ética é só cobrada de uns e não de todos é hipócrita, e o mesmo vale para nós todos.

Uma tática para viver e conviver aqui no Face é criar uma conversa divertida pelos comentários. Entretanto, é sempre uma luta encontrar as palavras certas. O poeta Carlos Drummonnd de Andrade alertou em seu poema “O Lutador”: “Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã”.

Essa luta para escrever melhor é emocionante. Quem escreve precisa ler, é o primeiro leitor, uma experiência excitante. Ler é buscar algo, algo que toque, ilumine. Há palavras que liberam as fantasias, onde a realidade da magia se une à magia da realidade, a magia da alegria.

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