A NOVA CARA DA OSTENTAÇÃO: O POSITIVADO SEM SINTOMAS
A pandemia renova também a percepção de ostentação. Pessoas sem sintomas correm atrás do teste do vírus, que o governo sonega, e torcem pelo resultado positivo que em tese lhes garantiria anticorpos.
Como não sentem nada e nunca sentiram nenhum desconforto, comemoram uma meia certeza: se deu positivo e não há sintomas, deduzem que estão imunes.
E telefonam ou mandam mensagens para amigos e parentes para anunciar a novidade. Esta é uma frase que será muito ouvida a partir de agora: estou positivado.
Alguns mais exagerados e mais egocêntricos poderão dizer em voz alta: eu sou positivado.
O positivado sem sintomas se sente como alguém que fez uma travessia sem saber que fez. E que está a salvo e mais forte do que os outros.
O positivado é o sobrevivente que, mesmo não tendo certeza da imunidade (a ciência não lhe dá essa garantia), tem a sensação de que talvez não volte a ser infectado e de que não irá infectar a família.
A nova elite brasileira não será apenas a econômica, mas a positivada sem sintomas, o que no fim é quase a mesma coisa.
As estatísticas mostram que a classe média ainda é a que mais adoece e acaba sendo internada (foi nela que a pandemia começou na maioria dos países), mas os pobres morrem mais. Porque o suporte de socorro, atendimento hospitalar, medicamentos e de pessoal não é o mesmo.
O cenário que nos espera vai aprofundar diferenças sociais e provocar invejas. Famílias irão comemorar o grande número de pais, filhos, tios, sobrinhos cujos testes acusaram a presença de anticorpos, com todos bem de saúde. É o darwinismo da pandemia.
Há no Globo de hoje um texto interessante sobre a tendência de aumento da corrida em busca dos testes, assinado pela microbiologista Natalia Pasternak.
Tem gente pagando R$ 500 para fazer um tipo de teste, conhecido como ‘sorológico’, que talvez mais complique do que ajude. Muitas pessoas querem, a qualquer custo, a notícia de que são portadoras de anticorpos.
Amplia-se o fenômeno provocado por uma população abandonada pelo Estado. Mas revela-se também a tentativa de se diferenciar como ‘mais preparado’ para enfrentar a peste.
O perigo é que um teste precário, na busca por esse atestado de diferenciação, pode ter consequências fatais para muita gente. E não só para quem foi testado e eventualmente recebeu o laudo de negativo.
O mundo poderá se dividir daqui a pouco entre positivados sem sintomas e negativados que não sabem o que poderá acontecer nas próximas horas.
O texto em que Natalia Pasternak explica o que é certo e errado nos testes está no link abaixo.