A NOVA TATUAGEM

A porta de Sergio Moro está sempre entreaberta. É pela fresta que o ex-juiz vê o rosto sorridente de Onyx. O gaúcho espia, meio tímido, e pergunta se pode entrar. Recebe autorização e senta-se diante do ex-juiz.
O ex-juiz antecipa-se:
– Posso adivinhar? É mais um pedido de desculpa? Agora pelo rolo das notas de R$ 317 mil do seu amigo de Porto Alegre?
– Sim, e mais uma tatuagem.
– O pedido de desculpa já está aceito.
– Mas quero mostrar a tatuagem.
E Onyx ergue a calça na altura da canela da perna direita. Mostra desenhos de ondas e começa a explicar:
– É mais uma tatuagem bíblica. É o Mar Vermelho. Começa aqui, vem subindo, subindo…
E Onyx vai erguendo a calça até onde dá e leva a mão até a virilha. O ex-juiz intervém:
– Não precisa mostrar todo o mar, só o começo.
Onyx retoma:
– É minha nova prestação de contas com Deus, de acordo com a linha do governo. Força, perseverança, milagre, alinhamento com a direita do povo de Moisés, tudo isso daí, como diz o chefe. O Mar Vermelho é minha única concessão ao vermelho. Pela força bíblica.
O ex-juiz só escuta. Onyx relembra que tem outras tatuagens, por outros deslizes cometidos, mas todos com contas acertadas com aquele que está acima de todos.
O ex-juiz levanta uma dúvida:
– Se você usou toda a perna direita para fazer o Mar Vermelho e já tem tatuagens nos braços, sobram o tronco e a outra perna. Está quase tudo ocupado? E se você precisar mais adiante?
– O tronco já está tomado – diz Onyx.
– Todo?
– Sim. O peito tem tatuagens pelos deslizes que cometi na adolescência. E as costas por causa de probleminhas no meu tempo de PFL.
– E a perna esquerda?
Onyx respira fundo:
– A perna esquerda, a mão esquerda, o braço esquerdo eu não uso pra nada.
O ex-juiz o interrompe:
– Não radicalize porque você pode precisar.
– Não uso nada que seja de esquerda. Eu tenho o lado direito do pescoço – responde Onyx. – Um bom pescoço. É onde os jogadores de futebol fazem tatuagens lindas.
E mostra o pescoço grosso, roliço. O ex-juiz sorri um sorriso de Mona Lisa e diz:
– É bom trabalhar com gente religiosa. Mas cuide bem do seu pescoço.
Onyx baixa a perna da calça até o tornozelo, levanta-se e despede-se com entusiasmo.
– Um dia vamos comer uma costela gorda.
O ex-juiz volta a sorrir como se fosse um personagem dos irmãos Coen misturado a outro personagem de Tarantino com alguma coisa de Almodóvar, Cantinflas e Mazzaropi.
Antes de sair, já na porta, Onyx volta-se para o ex-juiz, abre um sorriso e faz arminha com a duas mãos.

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