A PITANGUEIRA QUE RESSUSCITOU

Essa pitangueira nunca esteve tão carregada como neste ano. Produziu nessa primavera as mais doces pitangas da Aberta dos Morros, na zona sul de Porto Alegre.

Faz bem olhar pela janela e ver as pessoas pararem para comer pitangas. Não passam mais de 10 pessoas a pé por dia na nossa rua. Mas quase todas param e comem as pitangas. A pitangueira na beira da calçada tem mais de quatro metros de altura.

Há oito anos, quando tinha uns dois metros, foi degolada a mando de um vizinho e ficou só com um toco de uns três centímetros rente ao chão.

O vizinho recém chegado achava que a pitangueira atrapalhava a manobra do carro na garagem. Não impedia a entrada do carro, apenas exigia paciência do motorista.

Uma empresa terceirizada a serviço da Smam, a secretaria do meio ambiente do município, agiu com rapidez e cortou a pitangueira, que fica mais na frente da nossa casa do que da casa dos incomodados.

A pitangueira degolada acionou conflitos incontornáveis com os mandantes da degola. Mas um ano depois o toco anunciou que estava vivo. E foi reagindo, como se prometesse apenas alguns brotinhos ralos.

E cresceu quase de repente. Deu um salto e está agora desse tamanho. É a pitangueira valente da Aberta dos Morros, uma árvore militante, capaz de gestos políticos poderosos.

Os vizinhos foram embora. Eles saíram da casa e a pitangueira foi se espichando e se espreguiçando, porque sabia estar livre de ameaças. Este ano, deu um show e se pintou de vermelho.

Virgínia e eu dedicamos meia hora, depois do almoço, a saborear a sobremesa que a ressuscitada nos oferece. Só a pitangueira nos vê sem máscara.

Escrevo agora sobre o milagre da árvore por causa da sua safra generosa e por outros motivos. Este ano, plantamos oito pitangueiras numa área verde aqui perto, um parque gigantesco. Quatro foram arrancadas logo depois e deixadas ao lado das covas.

Foram salvas a tempo, replantadas e regadas com frequência. Com a clausura, nos descuidamos da vigilância: quatro foram arrancadas de novo e largadas na grama. As quatro morreram.

Também escrevo sobre as pitangueiras por causa da comoção provocada pela ameaça de degola de um guapuruvu, na Rua 24 de Outubro, em Porto Alegre. Será derrubado porque perde galhos. Mas não será podado, também será degolado.

É o que mais se faz no Brasil a mando de grileiros, incendiários, garimpeiros, fazendeiros, especuladores imobiliários e amigos de Ricardo Salles. Mas, para cada árvore decepada ou arrancada, devemos reagir e plantar outras 10, cem, mil.

Eles decepam ou arrancam e nós plantamos. Estaremos sempre correndo atrás, mas sem desistir. Até o dia em que os assassinos de árvores, de índios, de rios e bichos não mais ficarão impunes, na Amazônia, no Pantanal, na Aberta dos Morros ou na 24 de Outubro.

5 thoughts on “A PITANGUEIRA QUE RESSUSCITOU

  1. Muito significativo este sua manifestação. Porto Alegre, principalmente com o início da Administraçãoa Fogaça, lá em 2005, iniciou o processo de desmonte da Secretaria do Meio Ambiente, que por ironia foi criada por Governo de Direita, na pessoa de José Eduardo Xavier. É claro que não foi somente esta Secretaria. Mas vamos lá, neste ano (O valor do contrato com a Verdam Eireli, empresa habilitada pela Superintendência de Licitações e Contratos, é de R$ 4,9 milhões anuais, com duração de um ano e possibilidade de renovação de até 60 meses. Os trabalhos se iniciaram em 2 de março.
    A previsão é de que as equipes alcancem uma média superior a 2 mil podas e supressões por mês, além de 125 destocamentos, totalizando 1.500 raspagens de tocos e raízes por ano). Porto Alegre se vangloriava de ser uma das capitais com maior arborização do país. Mas andamos para trás. Esta situação que você trás tem sido muito comum. Decididamente voltamos, e muito, no tempo.
    .

  2. Queria dizer também que tinha Porto Alegre um magnífico estoque de mudas, um viveiro, no Parque Sant Hilaire que simplesmente foi jogado no lixo.

  3. Recentemente, plantei uma muda de ipê amarelo, árvore da FLOR-símbolo do Brasil, e ela foi quebrada algum tempo depois. Lamentavelmente, são poucas as pessoas que percebem a riqueza natural deste país, e o desejo de destruição, que não mede tamanho de árvore, vem superando o da preservação.

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