A ROSA DA PANDEMIA

Uma história da pandemia, que terá final feliz. Meu amigo veio de Livramento para Porto Alegre no início do ano.

Separado, sempre adiava o projeto de um dia morar na capital. Finalmente decidiu que era hora, porque está aposentado e não tem filhos.

Homem de meia idade, andava afastado do amor. Distraiu-se com a própria solidão e, meio avulso no mundo, ficou um tempo vendo séries (diz ter visto mais de 40).

Quando percebeu, estava havia dois anos sem namorar e sem sair de casa.

Aqui, logo encontrou alguém. Foi por intromissão de outros amigos que o conduziram, como faziam antigamente, a uma aproximação com uma moça também separada.

Os dois falavam-se só pela internet e pelo whatsapp e descobriram que as afinidades explicadas e inexplicáveis os empurravam para uma conversa presencial, mesmo que isso seja cada vez mais raro.

No dia 12 de março, uma quinta-feira (ele sabe tudo, os dias, as horas), combinaram que iriam finalmente se ver no sábado à noite no Bar do Nito.

Mas a partir dali a ficha do medo começou a cair. Ela mandou uma mensagem pra ele: não vai dar.

Ele insistiu que a epidemia estava ainda em São Paulo e que iria demorar para chegar aqui. Ainda chamavam a coisa de epidemia.

Mas não teve conversa. Ela é cuidadosa, racional demais, virginiana zelosa das qualidades do signo. E não deu mesmo.

Foi naquele sábado, dia 14, que muita gente percebeu que não dava pra brincar, era preciso ficar em casa. E foi o que aconteceu com eles.

Ele, como já estava encerrado em casa mesmo vendo séries, apenas continuou em casa.

Os dois têm carro, mas ela nunca mais tirou o Fit azul da garagem. Ele mora no Bom Fim, ela mora no Menino Deus.

Todos os dias, desde o início de abril, ele passa no seu Citroën cinza diante do prédio dela, na Getúlio Vargas, aí pelas 17h, bem devagar.

Ela vai até a janela, no quinto andar, e acena. Ele não desce, nem estaciona o carro. Só parou uma vez, uma única.

Ela, que nunca mais desceu de onde mora, olha pela janela com uma máscara branca que ganhou de uma amiga e acena.

Ele passa, às vezes faz a volta na quadra, passa de novo, mas nem sempre ela continua na janela. Todos os dias ele faz a mesma coisa.

É o único jeito. Ela se enclausurou e compra tudo por telefone ou internet e manda que entreguem no apartamento. Toma os cuidados que os mais cuidadosos vêm tomando.

Só desce para levar o lixo. Numa dessas descidas, poderiam se ver. Mas ela não força, porque também poderiam, no impulso, aproximar-se demais.

O que mais ela teme é que um contagie o outro. Continuam a conversa pela internet. Todos os dias renovam o pacto de que somente irão se ver depois da pandemia.

Na única vez em que deixou o carro num posto de gasolina e foi até o prédio, ele ficou na calçada e ela largou lá do alto um barbante com um peso na ponta.

Ele amarrou uma rosa ao barbante. Tirou um frasco de álcool do bolso, borrifou a rosa e ela puxou o barbante de volta.

Enquanto puxava, ela ia recolhendo e borrifando o barbante. Sempre olhando para o alto, ele viu quando ela também borrifou a rosa com álcool, riu e sumiu na janela.

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