AINDA SOBRE MACHADO

Um texto domingueiro sobre a controvérsia em torno da leitura de clássicos por adolescentes, provocada por Felipe Neto.
Escrevi ontem sobre o assunto (está nas postagens anteriores) e hoje publico um texto com posição inversa, que compartilho do original no Facebook, porque assim funciona o bom debate, que ajuda a ressuscitar a obra do Machadão.

O PAPEL DA ESCOLA

Bernardo Mendes

Felipe Neto reacendeu o debate sobre o cânone na literatura.
Existe, sim, um poder negativo que esse tipo de leitura (isolada) exerce sobre crianças e adolescentes. E muitas vezes é algo sem volta. É preciso levar em consideração a realidade dos alunos a quem você apresenta a leitura. É preciso ressignificar o comum, encarar a leitura como um aspecto social.

Isso significa abandonar o cânone e ignorar Machado e outros autores? Claro que não, eles servem como base de tudo o que virá. Mas é preciso entender a realidade de cada escola, de cada criança, pra que a literatura não seja algo que a afaste da leitura.

Eu sou um exemplo disso. Português sempre foi a minha matéria preferida na escola, sempre gostei de ler e escrever. Mas as aulas de literatura eram uma grande frustração, me causavam uma angústia muito grande, meu desempenho criou em mim um sentimento bastante negativo e que me afastou da literatura, principalmente da ficção, por décadas. Eu só fui resolver isso muito tempo depois com a sensibilidade de meus professores da faculdade. Mas não deveria ser assim.

O impacto negativo de não encarar a literatura como um aspecto social existe, ele está presente, e ignorar esse impacto é um grande erro que muitos professores e coordenadores pedagógicos ainda cometem. A pressão que os vestibulares estabeleceram é pesada. O papel de apresentar algo mais próximo à realidade das pessoas coube, até hoje, à chamada ‘literatura menor’, à ‘literatura marginal’ (não a literatura marginal de Leminski e outros autores, a literatura geograficamente e socialmente marginal).

Dependendo da escola, se você senta com o coordenador pedagógico pra sugerir uma leitura mais próxima à realidade do aluno, vai ouvir um sonoro ‘NÃO’. Por outro lado, quando isso é permitido, quando você apresenta, por exemplo, uma literatura africana de língua portuguesa a uma criança negra, você verá os olhos dela brilhando, tenho certeza. Ela vai sentir que existe no mundo.

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