As veias abertas que já não encantavam tanto Eduardo Galeano
Uma informação que é mais do que uma curiosidade. Um ano antes de morrer, Eduardo Galeano – agora lembrado de novo por causa da fala de um porta-voz do governo chinês – deu declarações surpreendentes sobre sua principal obra, As veias abertas da América Latina.
Galeano achava que o livro adorado pelas esquerdas era frágil como abordagem do que ele definia como uma obra de economia política de um jovem sem lastro para tamanha empreitada. Só faltou pedir que não lessem mais o livro.
Ele disse, na 2ª Bienal do Livro de Brasília: “Eu não seria capaz de ler de novo. Cairia desmaiado. A Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada”.
Pois agora, ao atacar o governo americano, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, disse, claramente inspirado no livro e em Galeano:
“As veias abertas da América Latina foram causadas pelo saque e pela dominação histórica dos Estados Unidos, que não têm autoridade moral para criticar a cooperação entre a China e os países latino-americanos”.
Em 2008, entrevistei Galeano por email. Até ali, não tinha aparecido a controvérsia sobre As veias abertas.
Publico o link de Zero Hora para a entrevista, republicada quando ele morreu em 2015. O link de ZH está com acesso liberado. Mas quem não conseguir acessar pode pegar outro link do meu blog, logo abaixo.
https://www.blogdomoisesmendes.com.br/galeano-e-a-ditadura-universal-do-medo/
Pô, Moisés, você colocou a foto de um idoso! O seu maior fã, o Xerox Romi, não gosta. Assim você o espanta. Ele já não suporta ler, e sem o seu blog ele vai parar totalmente de ter contato com as palavras.
Fale sim sobre o autor mas coloque sempre uma foto de um xófen ou de uma xófen, tipo Anitta ou A Pablo, dois xófens revolucionários de esquerda.
Esta estória do Galeano lembra o ditado aquele: quando é jovem, quer mudar o mundo. Mais tarde, quer conservar aquilo que tem.
Ledo engano, Gerson. A coerência foi uma das virtudes mais marcantes de Eduardo Galeano. O certo menosprezo dele por uma de suas próprias obras do começo da carreira de escritor – exatamente aquela que lhe deu projeção mundial – por considerá-la aquém daquilo a que se propunha dá a exata dimensão desse grande literato e figura humana extraordinária.
Neste caso, mereceria uma atualização histórica. Quando o autor sugere que sua obra não representa mais sua percepção de mundo é um indicador que sua visão de mundo mudou.
Não necessariamente. Talvez aquilo que para o jovem e idealista GALEano era algo que merecia ir para o prelo naquele início de carreira literária, com o passar dos anos e o amadurecimento do escritor veio a percepção de que o tema exigia um conhecimento e um preparo que não estavam ao seu alcance ou um tempo em pesquisas e estudos que ele não estava disposto a investir, até porque outros autores, com a necessária competência, também se dedicaram ao mesmo assunto. Entendo que em sua interpretação pessoal, ele não refuta o conteúdo do livro por ultrapassado e sim pela fragilidade argumentativa e narrativa da obra.
Vejo sua autocrítica muito mais como uma atitude de modéstia diante de uma obra que se fosse tão frágil como avaliava não teria alcançado tamanho êxito e repercussão. No caso específico de GALEano, considerada a sua coerência, o amadurecimento serviu para aprimorar e reforçar alguns aspectos ligados à sua percepção do mundo, mas jamais para negar questões de princípio e valores humanísticos tão presentes em todas as suas manifestações culturais, sociais e políticas.