AS VÍRGULAS

Nelson Basile era o chefe de redação da Plateia de Livramento lá na metade dos anos 70. Um dia ele pegou um texto meu e numa olhada com apenas duas piscadas decretou o que deveria ser feito de imediato e sem possibilidade de recurso: reescreve e tira a metade das vírgulas.
Peguei o texto de volta e fui tirando as vírgulas miúdas e graúdas como quem cata pedrinhas escolhendo feijão. Tirei um terço das vírgulas meio constrangido por não conseguir tirar mais e mostrei ao Basile.
Ele me disse com uma gargalhada: não precisava ter exagerado.
Pois agora Bolsonaro quer tirar palavras dos livros didáticos com a desculpa de que é preciso suavizar o conteúdo.
Imaginem Bolsonaro preocupado em suavizar alguma coisa. Ele acha que os livros têm palavras demais e que isso contraria a pregação da extrema direita.
Me lembrei do grande Basile e pensei naqueles tempos em que um jornalista interiorano se preocupava com o excesso de vírgulas para que as palavras não tropeçassem em gravetos e não enfrentassem tantos solavancos.
O sonho de Bolsonaro é um livro sem palavras e sem imaginação e ideias que ameacem o reacionarismo.
Meu sonho desde aquele dia lá na Plateia era poder escrever um texto livre de vírgulas. Como esse que escrevi agora em homenagem ao Basile.

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