Celso Gutfreind e o engano da economia
Compartilho o grande texto do meu amigo Celso Gutfreind publicado hoje na Zero.
O ENGANO DA ECONOMIA
CELSO GUTFREIND
Psicanalista e escritor
No começo dos anos 1990, quem chegasse para viver na França, especialmente se vindo do Brasil, levaria um choque maior. Não encontraria ninguém para fazer o xerox, encher o tanque de gasolina, bater a foto 3 por 4 e muito menos para realizar formalmente os seus serviços domésticos. O avanço da tecnologia havia retirado esses postos de trabalho. Restava ao recém-chegado aproveitar o melhor daquele país e ele estava na arte, no cinema, na literatura, na filosofia e no encontro entre todos eles. Sartre, por exemplo, tinha escrito um texto magnífico sobre o garçom em carne e osso, tratando-o como um verdadeiro personagem.
A olho nu, a máquina havia substituído o homem como havia sido previsto em livros (franceses) de ficção científica. Os números pareciam estar de acordo com a hipótese. Havia quase 13% de desempregados, ou seja, milhões, mesmo em um país não populoso. Entre controvérsias, teorias apregoavam que era só uma questão de tempo e aquela economia abriria novos negócios com empregos que absorvessem o ex-frentista, o ex-trabalhador doméstico, o ex-funcionário do xerox.
Duas décadas depois, a máquina avança na substituição de empregos no Brasil. Nos restaurantes, garçons começam a ser trocados por tablets, promovendo um self service teclado na hora dos pedidos. Ao invés de um e outro, é um e a máquina sem outro. E, como na França de há 20 anos, ainda questionamos os efeitos do avanço dessa tecnologia.
Abolido o tempo de encontro entre os personagens envolvidos na cerimônia de um jantar, ele se torna mais rápido, às vezes até instantâneo. Abduzido da vida, o garçom de Sartre fica confinado ao livro que já não se lê. Mas o que é um jantar veloz diante de uma resposta que surgiu com evidências? Afinal, a tecnologia vem retirando o tempo em que um adulto ouve e atende uma criança. O resultado incontestável é que, insatisfeito, o pequeno cliente abrevia o encontro humano e se dirige ao déficit da atenção, à falta de aprendizagem, à solidão e outros locais pouco recomendáveis.
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