DÁ PRA SAIR QUEBRANDO?

Já dura uma semana o debate sobre a obra quebrada por uma ex-fã de Romero Britto. Alguém pode quebrar uma obra de arte diante do seu autor, ou mesmo longe dele? É uma ofensa ou um crime contra o autor, a obra e seus significados?

Não é um debate novo, mas é sempre complicado, mesmo que não deva ficar restrito ao pessoal da academia.

Um destruidor de qualquer coisa pode ter todos os argumentos. Mas seriam os mesmos de quem queima livros? Ou dos que derrubam estátuas de fascistas?

Vale para qualquer obra, de qualquer área, ou só vale quebrar obra comercial e em Miami? O dono de uma obra pode fazer o que quiser com ela e pode também agredir o autor daquele jeito?

Não interessa se o vídeo não é de agora, o que importa é que agora caiu nas redes e acionou todo esse debate.

Vamos admitir que houve um certo regozijo entre as esquerdas, porque Romero Britto é um cara que faz média com todo mundo e agora decidiu bajular Bolsonaro e a extrema direita.

Mas obras de arte são agredidas desde tempos bíblicos. E não só quebradas ou rasgadas. Uma vaia durante uma ópera, por exemplo, é uma agressão a quem está cantando.

Uma vaia pesada, não num show popular, mas num ambiente erudito, de elite. Já vaiaram Pavarotti. Vaias quebram uma obra, ali naquele momento, e ali dificilmente tem arrumação.

Mas aí podem dizer: isso não significa a destruição da obra, mas a manifestação casual de descontentamento com efeito temporário. A obra e o artista podem se recuperar num show mais adiante.

E se o autor da maçã quebrada fosse de esquerda? Se a agressora fosse assumidamente bolsonarista?

Banksy, o grafiteiro sem rosto, triturou uma obra dele mesmo ao final de um leilão. Banksy preferiu destruir a vender a própria arte.

Fez uma cena contra o comércio que enriquece gente como Romero Britto e ganhou mais fama, mesmo que não precise. Ou Banksy faz arte e Britto não faz?

Sei porque vi na internet há alguns anos que há um livro sobre as obras de arte que se perderam. O livro é The Museum of Lost Art (parece que sem edição no Brasil), em que o americano Noah Charney tenta imaginar um museu de artes perdidas.

Ele assegura, talvez com exagero, que as grandes obras de arte da humanidade não são as que sobreviveram, mas as que não existem mais.

Foram destruídas por guerras, por déspotas, por vandalismo, pela ação deliberada do artista, por acidentes, descaso.

Alguém pode achar que o livro é uma bobagem e colocar fogo num exemplar diante do autor. Pode? Como a mulher fez com a maçã?

A maçã de porcelana de Romero Britto pode entrar, quem sabe, nas próximas edições do livro de Charney como uma das grandes obras da humanidade destruídas por uma fã ressentida.

One thought on “DÁ PRA SAIR QUEBRANDO?

  1. Muito boa a reflexão. Tenho pensado nisso desde que vi a maneira como trouxeram isto a tona.
    Inclusive quando percebi que Romero Britto é tão Bolsonaro quanto é Obama… (Superfície…/fama…)

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