Eu quase vaiei Pavarotti

Eu vi e ouvi Luciano Pavarotti no Central Park, no verão de 1993. O vozeirão de  Pavarotti retumbava nas árvores: nessun dorma, nessun dorma! Tu pure, o principessa, nella tua fredda stanza guardi le stelle…

Mas percebi, em alguns momentos, que Pavarotti não estava bem. E temi que pudesse ser vaiado ao ar livre em Nova York. Pavarotti já havia sido vaiado em teatros, mas não ao vivo.

Emocionadas, algumas pessoas colocavam as mãos no rosto, outras seguravam o choro. Não sei se entendiam o que ele dizia (eu não entendia nada), mas se emocionavam. E Pavarotti desafinava, segundo um amigo que entende de ópera, e até poderia ser vaiado. Não foi.

Pavarotti, com aquela voz poderosa, enfrentou vaias em grandes apresentações, como acontece com  jogadores pernas de pau em campos de várzea, ou com árbitros de futebol, goleiros frangueiros, políticos, ou saltadores com vara.

Porque a vaia é do jogo e é da vida. O juiz Sergio Moro disse num evento ontem que a vaia numa Olimpíada é coisa antiética. Referia-se ao caso do atleta francês vaiado no Rio. Outros pensam a mesma coisa.

E há os que pensam o contrário. O sociólogo americano Peter Kaufman, estudioso do comportamento do público nos esportes, deu uma bela entrevista à BBC.

Está aqui: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37113720

Kaufman diz que reprimir uma vaia é ceder aos apelos dos que defendem alguma forma de repressão às manifestações pacíficas de uma torcida. “Isso seria uma atitude de imperialismo cultural”, afirmou ele.

Não há ofensa na vaia. Há ofensa no que geralmente (e geralmente quando a vítima é um político de esquerda) vem junto com a vaia: a agressão, o palavrão, a injúria, a grosseria.

No Brasil, o público que idolatra Sergio Moro só acha que vaia não é antiética quando os alvos são Lula, Dilma ou Maria do Rosário, geralmente atacados, não com vaias, mas com ofensas pesadas à la Bolsonaro.

Então, se até Pavarotti foi vaiado, por que não vaiar pacificamente o francês? E, claro, o Temer.

Naquela noite em Nova York eu cheguei a pensar que em algum momento Pavarotti seria vaiado pelos entendidos que estavam ali. Eu poderia contar hoje: sim, eu vaiei Pavarotti na noite estrelada de 28 de junho de 1993, no Central Park.

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