LARA RESENDE E OS FARSANTES DO LIBERALISMO BOLSONARISTA

Mais um liberal saiu da toca, depois de desfrutar por um bom tempo das expectativas criadas pelo golpe que ajudou a patrocinar pelo silêncio e pela omissão. Agora é André Lara Resende que vai a campo para dizer, em entrevista à Folha, que o liberalismo de Paulo Guedes é primitivo.

No final de novembro, Demétrio Magnoli tentou deflagrar debate semelhante em artigo na Folha, com essa pergunta: os liberais brasileiros estão dispostos a seguir a trilha de Bolsonaro?

Ninguém deu bola para Magnoli, até porque a atual capacidade de reflexão da direita brasileira alcança apenas o que possa ser apenas o liberalismo econômico, mesmo que distorcido e caricato.

A pergunta de Magnoli era desdobrada em várias interrogações, entre as quais essa que funcionava como premissa: seriam os liberais parte orgânica do projeto de Bolsonaro, ou apenas caroneiros de um plano que parecia favorecê-los?

Lara Resende diz agora, na mesma Folha, que Guedes é um arcaico apegado às teorias liberais do século 20 e que despreza (acreditem) a importância da articulação do Estado como orientador de políticas decisivas para o funcionamento da economia.

É para fazer pensar mais uma vez pelo ponto de vista da direita. A adesão dos liberais ao projeto de Bolsonaro, mais pela convicção das suas ignorâncias, não parece ocasional nem oportunista, só para que leve adiante as reformas que eles e o mercado pedem.

Bolsonaro seria mais do que um prestativo de plantão. É o cara a serviço de um projeto estrutural, mesmo que movido por engrenagens autoritárias e que nem saiba direito o que conduz, porque sob controle absoluto de Paulo Guedes.

O liberalismo brasileiro embarcou no bolsonarismo porque decidiu aderir de novo a governos que levem adiante suas ideias, a qualquer custo. Não haveria como obter resultados liberalizantes na economia sem controle absoluto do poder.

Bolsonaro é o que temos para o momento, dizem eles. O bolsonarismo não é um acidente no percurso do empresariado e dos liberais de todas as áreas. E não só sob o ponto de vista da economia, mas incluindo também o Direito, os costumes, as relações institucionais e as liberdades tão caras aos liberais.

É a aceitação de que assim mesmo é que a coisa funciona hoje. Paulo Guedes é apenas o operador do mecanismo.

Para o pato da Fiesp, latifundiários, banqueiros, grileiros, para profissionais liberais, destruidores de matas e rios, e até para muitos servidores, não seria preciso comer Bolsonaro, se o bolsonarismo se comportar nos limites dos interesses disfarçados como liberais, com total desprezo pelo patrimônio público, pelas normas civilizatórias e pelas regras elementares de convívio político.

Bolsonaro, os militares, os milicianos e todo o entorno bolsonarista fazem parte dessa estrutura.

Magnoli tentou inspirar um debate sobre saídas que pareciam não existir, porque os ‘liberais’ até ali não estariam dispostos a abandonar Bolsonaro.

Seu artigo na Folha reafirmou com perguntas o que a mesma Folha divulgou logo depois sobre o livro “Os Aprendizes do Poder” (Edusp), do sociólogo Sérgio Adorno.

Adorno conta que, ao pesquisar a formação do liberalismo brasileiro, desde o Império, descobriu que “não havia mais diferença entre conservadorismo e liberalismo”.

O liberalismo verde-amarelo se sustentou na ideia de que ser liberal é defender as liberdades individuais, mas sempre em contradição com a defesa quase inexistente de direitos coletivos.

“O problema não é colocar autoritarismo versus liberalismo; o problema é liberalismo versus democracia”, diz Adorno. As lideranças brasileiras apresentam-se como liberais sem serem necessariamente democráticas e tampouco liberais.

Pode? Sim, pode, como farsa. O liberalismo brasileiro (e não só o econômico, repita-se) aceita Bolsonaro como parceiro, não como estorvo ou aberração que precisa ser assimilada por causa dos serviços prestados.

A farsa ajuda a explicar não só Bolsonaro, os filhos, Guedes, as ameaças com o AI-5, mas também a Lava-Jato e o juiz Sergio Moro como justiceiro implacável.

E tudo se passa diante do silêncio dos próprios liberais com tantos desmandos. E aí então é de se perguntar: mas que liberais?
Por isso não há, na entrevista de André Lara Resende à Folha, uma linha, uma só, sobre o contexto em que prosperam Bolsonaro e Paulo Guedes.

Lara Resende trata de economia e pronto. É o que lhe cabe para refletir sobre liberalismo. E o resto? Por que um liberal em economia se fecha no raciocínio economicista? Para negar todo o resto?

E o poder despótico e a exaltação da idiotia e da ignorância como bens incorporados ao Estado? Nada. Nenhuma frase. Ele se cala, e os entrevistadores Vinicius Torres Freire e Marcos Augusto Gonçalves também não perguntam.

Lara Resende é representante da mesma farsa liberal que aderiu ao bolsonarismo, apenas em outro compartimento mais chique, mais bacana e mais arrependido pelo golpe que não deu certo.

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