LEMBREM-SE DE DARCY PENTEADO

Sou testemunha ocular de uma parada gay, quando essas manifestações nem existiam no Brasil, porque ninguém se atrevia a ir pra rua. Nem no Rio.

Pois em 1992, em Nova York, saí por acaso caminhando contra o vento com um grupo de jornalistas e fomos apresentados a uma parada gay.

Num domingo de manhã, na Quinta Avenida, sem que o grupo, atento a outras bobagens, soubesse que aquele era o dia da Gay Pride Parade. Assombro grandioso e estupendo.

Namorados e namoradas e famílias desfilando de mãos dadas, pai, mãe, irmãos, filhos, crianças. Muitas mulheres maduras, muita mulher jovem. Idosos, muitos rapazes vestidos com uniformes militares.

E talvez a surpresa maior para um cara criado no Alegrete: eram gays fortões, vestindo o que se chamava de camiseta de física, a maioria com corpos esculturais.

O tom geral era de alegria, mais do que de afronta ao poder e ao reacionarismo. As fardas eram um desafio às Forças Armadas. E a presença de pais e mães fortalecia a ideia de vínculo familiar, engajamento, compreensão e proteção.

Mas a marcha não tinha negros. Era uma passeata de brancos da classe média, que existia, como fenômeno de massa, desde os anos 70 nos Estados Unidos. Fui embora, pouco depois do meio-dia, e a
marcha continuava.

No Brasil, não existia nada parecido. Já escrevi muito a respeito do esforço de Darcy Penteado, pintor e escritor carioca, para que o Rio tivesse uma parada gay.

Penteado fracassou durante anos, porque os cariocas topavam qualquer coisa, menos de passeata de gays. A primeira parada gay no Rio, em 1995, reuniu pouco mais de 30 pessoas. Foi um fiasco.

Penteado foi o criador do jornal Lampião da Esquina (que depois seria apenas Lampião), com pautas gays, que circulou muito antes da parada.

Artistas e intelectuais gays brasileiros conseguiam fazer um jornal, mas não conseguiam organizar uma marcha gay.

Foi no Lampião, em 1978, que Leci Brandão admitiu ser homossexual. O Lampião deixou de circular no início dos anos 80. Era atrevido e muitas vezes politicamente incorreto.

Muitas das capas do jornal, com escrachos que atingiam os próprios gays (o jornal usava muito a palavra “bicha”), não seriam publicadas hoje, porque levariam pauladas do público LGBTI+ e do leitor em geral.

Darcy Penteado ficaria espantado se visse a Parada do Orgulho LGBT desse domingo em São Paulo, com previsão de repetir o público de mais de 3 milhões de pessoas. É a maior parada LGBT do mundo. Darcy Penteado merece uma homenagem.

(Compartilhei ontem aqui no blog um link para um texto de Douglas Glier Schutz, publicado no Extra Classe, que faz pensar. Enquanto a militância e a resistência LGBTI+ se afirmam no Brasil, o Congresso nunca foi tão homofóbico e nunca o país teve tanta violência contra pessoas trans. Por que o Brasil não elege candidatos LGBTs, se as mudanças precisam passar também pela política? É uma pergunta bem incômoda, que o Lampião de Darcy Penteado certamente tentaria responder.)

2 thoughts on “LEMBREM-SE DE DARCY PENTEADO

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