MATAM OS NEGROS DIANTE DE TODOS NÓS

Foi forte e corajosa a revolta contra a morte de João Alberto Silveira Freitas, assassinado no Carrefour em Porto Alegre. São atos de imposição do sentimento popular, em meio à pandemia, que podem abalar o racismo potencializado por Bolsonaro.

Mas a revolta virtual sempre pretende ser a mais valente de todas. Almeja ser mais efetiva até do que as mais radicais manifestações de protesto de ontem em algumas lojas do Carrefour que quase foram incendiadas.

É até surpreendente, porque o país se acostumou às revoltas virtuais. Mas e a revolta presencial, a que poderia se manifestar não depois, mas no momento de uma agressão, onde se meteu?

Convivemos com uma pergunta incômoda e recorrente: por que quase ninguém intervém quando um homem negro é jogado ao chão e espancado até a morte? Por que, num espaço de circulação de muita gente, nenhum homem grita: parem.

Não um grito protocolar, mas um grito impositivo como os das indignações virtuais coletivas. Não um grito de um, mas um grito de rede social, um jogral contra crueldades e contra a morte.
Até uma tentativa de intervenção física. Mas não acontece nada.

Por que geralmente as mulheres reagem às agressões de policiais contra pobres e negros? O que há com os homens, que são incapazes de pelo menos dizer que estão incomodados com as agressões?

Há, no vídeo da violência em Porto Alegre, um momento em que alguém se sente no direito de filmar a cena, mas não de fazer um movimento para tentar impedir que a agressão continue.

Circulou este ano nas redes sociais, entre tantos vídeos com brutalidades, a agressão de um grupo homofóbico a um rapaz gay numa calçada em São Paulo. O único que reage, como se tentasse proteger seu amigo, é o cachorro do rapaz.

Os humanos não reagem. Os humanos filmam as cenas da agressão, o que é importante, mas não deveria ser a prioridade. Temos 10 pessoas filmando e nenhuma tentando impedir a violência.

O negro espancado e morto no Carrefour poderia estar vivo se os homens que viram a cena se mobilizassem em grupo para intervir. No instinto, no impulso.

Poderiam ser agredidos também? Poderiam. Certamente seriam. Mas os homens não tentam. Os homens, incluindo os americanos que viram George Floyd ser sufocado na rua, não reagem mais para impedir violências em espaços públicos.

A câmera do celular transformou todos nós não só em testemunhas (porque podemos ser testemunhas sem filmar a cena), mas em repórteres de flagrantes que irão se disseminar pelas redes sociais.

A opção pelo registro que substitui o socorro sempre foi um dos dilemas históricos do jornalismo profissional, principalmente em guerras. Há cenas clássicas sobre esse dilema, como a foto do urubu que espreita uma criança esquálida, no Sudão.

Mas o imobilismo que impede uma intervenção em casos de violência, como esse do Carrefour, é de outra natureza. Combina medo e resignação com a tentação de transformar o real em algo virtual, para que seja visto por milhões. São as tentações do documentarismo amador.

Quem leu até aqui pode estar achando que eu escrevo esse texto por achar que eu faria diferente. Nada disso. Se estivesse ali ao lado do homem assassinado, é quase certo que eu também não faria nada.

Afundamos na indignação. Somos cidadãos indignados, o que não tem grande significado, se esse não for um sentimento que leve a alguma ação. Geralmente não leva.

O indignado é apenas alguém que se conforta e se consola com a própria indignação. A indignação é o nosso analgésico. Quase não faz mais efeito, mas nos mantém enganados.

4 thoughts on “MATAM OS NEGROS DIANTE DE TODOS NÓS

  1. Perfeito!
    Então são dois. Eu tb não faria nada. Talves filmasse…talves olharia de longe levando minha familia embora, preservando minha filhinha dessas cenas…difícil mesmo.
    Mas importante que foi filmado, senão seria mais uma linha sem importância escondida no gzh…

    Me fez refletir se não é hora de começar a reagir qdo queridos amigos, que não são racistas, mas para tudo adotam a frase “é tudo MIMIMI”

    mAS É CLARO, MUITOS RACISTAS, HOMOFÓBICOS E AGRESSIVOS SE ESCONDEM TB NESSES PAPAGAIOS QUE DIZEM QUE É TUDO MIMIMI.

    aTÉ FICA UMA SUGESTÃO DE PAUTA PARA NOSSO BRILHANTE mOISES.
    qUE ARGUMENTOS NOS DAR PARA COMBATER ESSA TURMA DE QUE É TUDO MIMIMI????

  2. vOU CONTAR UM CASO QUE ME ACONTECEU HÁ ALGUM TEMPO, QUANDO AINDA TRABALHAVA MAS JÁ IDOSO. eSPERANDO O TREM NA ESTAÇÃO DE sÃO cAETANO, PERCEBI UM POLICIAL CIVIL SEM UNIFORME, HUMILHANDO UMA PESSOA JÁ DOMINADA. iNTERFERI, FALANDO QUE NÃO DEVIA TRATAR UMA PESSOA DAQUELE JEITO E A RESPOSTA FOI SER AGARRADO PELO PESCOÇO E SER HUMILHADO MAIS DO QUE O SUPOSTO MELIANTE. na hora fiquei muito nervoso e pensei em ir na delegacia denunciar o agente mas pensei melhor e não fui. NÃO ME ARREPENDI DE MEU ATO E SE PREsENCIAR NOVAMENTE, VOU COM CERTEZA INTERVIR.

  3. ha varias outrs questões que podem ser imaginadas a partir deste episodio .
    quantos outrios casos iguais a este acontecem sem que a vitima morra?
    eles pretendiam imobilizar a vitima e deu errado.
    quer dizer existe uma praxe,uma rotina ,que foi interrompida pelo obito.
    A policia ao receber o imobilisado vivo, alguma vez reclamou do tratamento dado pelos seguranças do carrefour?
    Vale a pena dar asas a imaginação ……. e se apavorar.
    tudo muito estranho.

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