O chá de banco de Kraunus e Pletskaya

TAPANACARA

Hique Gomez inaugura a série Porta na Cara com a história da esnobada que ele e Nico Nicolaiewsky levaram de um famoso crítico de música de São Paulo. Esse episódio foi decisivo para o Tangos & Tragédias.

Leiam o relato do Hique.

hique

O ano era 1987. Kraunus e Pletskaya tinham decidido ir para São Paulo. Já tinham feito até um show em horário alternativo no Theatro São Pedro, utilizando o proscênio, na frente das cortinas fechadas (o proscênio é aquela parte estreita bem do começo do palco, que fica antes das cortinas).

Recebemos ordem expressa da dona Eva Sopher de que não poderiamos entrar no palco e nem mexer em nada do que estaria montado como parte da peça principal em cartaz.

Nada mais restava para ser conquistado em Porto Alegre. O horário alternativo do Theatro São Pedro na frente das cortinas era o máximo!

Seguindo o conselho de nosso amigo Zé de Abreu (aquele que cuspiu naquele outro que não tinha a menor ideia do que era a Lei Rouanet), iríamos nas entrevistas de divulgação vestidos como os personagens.

Seria mais fácil e divertido mostrar na prática o que fazíamos do que tentar explicar em palavras. E realmente funcionava. Fomos no Jornal da Tarde, em São Paulo, e foi ótimo, a moça jornalista se encantou com o Nico e abriu um espaço grande.

Aí fomos na Folha de São Paulo. Subimos, vestidos de Kraunus e Pletskaya. Fomos recebidos pelo crítico de música Carlos Calado. Iríamos figurar no jornal mais importante do Brasil.

Ele nos olhou de cima a baixo disfarçando. Eu havia tomado a frente no contato, não tinha nada a perder. O Nico ficou meio pra trás, ele era do Saracura, uma banda de muito sucesso. Não estava a fim de arriscar o que já tinha conquistado.

O Calado disse que não poderia nos atender, mas entendemos errado, que ele atenderia em instantes. Sentamos numa antessala. E ficamos a tarde toda vendo ele passar de lá prá cá e de cá pra lá. Passava bem na nossa frente e não falava nada.

Quase no final do expediente, perguntei se iríamos conversar e aí ele foi bem claro dizendo que não iria nos atender. Nos entreolhamos chocados.

Fomos embora olhando as fotografias nas paredes dos corredores da Folha de São Paulo sobre a Segunda Guerra Mundial, querendo que a Segunda Guerra Mundial ainda existisse e que uma bomba V2 caísse em cima da mesa dele.

As manchetes nas paredes falavam da Kracóvia, e imaginamos que nossos personagens teriam vindo deste lugar. A Kracóvia destruída. Dois astros da Kracóvia humilhados e recusados pelo principal crítico do principal jornal do Brasil.

Uma carreira de dois dos maiores talentos da Kracóvia morrendo na praia. Chegamos em São Paulo, mas morremos na sala de espera do Calado.

Uma coisa revoltante. Voltamos para a casa do Miguel Ramos sem nenhuma perspectiva de retornamos para o Rio Grande do Sul. Queríamos voltar.

Não aguentávamos mais o sofá da casa dele. Andamos pelo centro para ver se encontrávamos a Zero Hora em alguma banca e nada.

Nestes dias, continuávamos com a ideia fixa na Kracóvia e com a vingança a ser aplicada no Calado. A Sbørnia começou a invadir nossas conversas.

Meses depois, quando começávamos a nos recuperar emocionalmente, finalmente surgiu uma outra entrevista. O repórter perguntou:

– De onde vem este sotaque de vocês?

Nos entreolhamos e falamos com uma profunda convicção:

– Viemos da Sbørnia!

Nossa felicidade silenciosamente explosiva equivalia a uma bomba V2 na mesa do Carlos Calado.

 

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