O DIA EM QUE EU VACILEI: É O DOM OU É O RAVEL?

Todo dia aparece um nome das antigas que desiste de participar do disco de Sergio Reis. Há nome de duplas dos anos 60 aos 80. Guarabira, amigo do Sá, não quer cantar com o bolsonarista.

Mesmo na época, às vezes era difícil saber quem era quem. Eu enfrentei uma situação ruim em Ijuí, no final dos anos 70.

Alguém da portaria do Correio Serrano, jornal onde eu trabalhava, telefonou para a redação e disse:

– O Dom e Ravel está aqui.

Falou assim mesmo, o Dom e o Ravel “está”. Fiquei surpreso com as visitas, mas mandei que subissem. Era como se Dom e Ravel tivessem virado um só.

Eu receberia a famosa dupla autora do Eu te amo meu Brasil, o hino do Ameo-o ou Deixe-o, do tempo de Médici, consagrado pelos Incríveis.

Aparece diante de mim um cara alto, e eu fico esperando o outro. Mas a visita era de apenas um deles.

Mas qual deles? Fiquei constrangido porque não podia perguntar pelo outro sem dizer o nome.

O cara iria fazer um show solo na região. E falava, falava e eu não sabia qual deles estava ali, o Dom ou o Ravel. E não havia Google.

Perguntei:

– Por que tu andas sozinho?

E ele:

– O Ravel está fazendo show em São Paulo.

Sim, aquele era o Dom, o mais velho e mais alto dos dois, e a dupla parece que já não existia mais.

Foi estranho ficar diante de um cara acusado de cantar o Brasil da ditadura, no auge da ditadura, mas sem que eu tivesse nenhum sentimento de repulsa.

Por quê? Talvez porque os cearenses Dom e Ravel nunca foram e nunca seriam os cachorros brabos das duplas sertanejas bolsonaristas de hoje.

Talvez seja isso, ou talvez seja porque ali a ditadura estivesse dando os últimos suspiros, ou porque a música acabou produzindo um fenômeno que só a arte é capaz de criar: era cantada por muita gente que não fazia conexão entre a letra e a ditadura. A música era irresistivelmente grudenta.

Não existe hoje entre os sertanejos bolsonaristas nada parecido com Dom e Ravel. Bolsonaro ajudou a estigmatizar e brutalizar o novo sertanejo, que já era insuportável, e empurrar para a boiada da extrema direita até os velhos sertanejos.

Eu gostaria de saber, com Dom e Ravel idosos, o que eles achariam hoje daquilo tudo. A música foi encomendada? Eles diziam que não.

Dom estaria agora com 87 anos e Ravel com 84. O que apareceu no jornal morreu em 2000, e o irmão mais novo, em 2011.

Estamos num tempo em que temos saudade até dos irmãos Eustáquio e Eduardo Farias, o Dom e o Ravel de sucessos associados à ditadura. E aqueles eram tempos tenebrosos.

Eu até imagino um título de jornal anunciando:

Dom e Ravel também se negam a participar de disco de Sergio Reis.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Website Protected by Spam Master


9 + 1 =