O DRAMA DE PEPE MUJICA

Não está fácil a vida das esquerdas latino-americanas. Até José Pepe Mujica foi arrastado para o centro de uma controvérsia no Uruguai, onde nos últimos anos a imprensa e os familiares de desaparecidos voltaram a remexer nos armários da ditadura.

A Frente Ampla de Mujica está sendo cobrada pela própria esquerda (e claro que até pela direita) pela suspeita de que contribuiu para que informações sobre crimes da ditadura não fossem divulgadas.

Esta semana, ao tratar do assunto em coletiva, o ex-presidente e senador Pepe Mujica anunciou que pode renunciar ao mandato em outubro.

Quer continuar fazendo política, mas em casa. Não fez referência direta ao estresse político que enfrenta, mas falou de cansaço, de uma doença crônica e da pandemia.

É ruim a situação de Mujica, porque a Frente Ampla ficou 15 anos no poder. O líder da esquerda admitiu: é provável que a Frente não tenha feito tudo o que poderia para divulgar informações acobertadas dos crimes da ditadura.

São dois os casos que vieram à tona. O Uruguai remexe agora na confissão do coronel reformado Gilberto Vázquez. O militar contou ao Tribunal Militar ter participado de torturas e do assassinato de inimigos da ditadura.

A confissão foi feita em 2006, mas só agora as atas do interrogatório foram divulgadas pela imprensa. A Frente Ampla de Mujica estava no governo com Tabaré Vázquez.

Por que o governo não divulgou a confissão, mesmo que no Uruguai, como acontece no Brasil, a Justiça Comum enfrente restrições para julgar delitos da ditadura? Por que se calaram?

Mujica disse em entrevista coletiva ontem: “É óbvio que entre militares há um acordo, um pacto de silêncio”. Enquanto isso, disse Mujica, eles vão morrendo e os segredos continuam.

E acrescentou: “O que tenho claro é o seguinte. Os poucos processados que há e os (criminosos) que foram identificados foram processados durante o meu governo da Frente Ampla (2010-2015), o que foi um feito”.

Mas tem um segundo caso. O general reformado e senador Guido Manini Rios, do partido de extrema direita Cabildo Abierto, também é acusado de ter acobertado informações sobre assassinatos na ditadura.

Manini Ríos foi chefe do Exército entre 2015 e 2019. Nesse período, o oficial reformado José Nino Gavazzo confessou ao mesmo Tribunal Militar que o tupamaro Roberto Gomensoro foi torturado, morto e jogado por ele de um avião no Rio Negro em 1973. Esse foi um dos crimes.

Por que Manini Ríos, comandante do Exército do governo de Tabaré Vázquez, também da Frente Ampla, não contou ao chefe o que sabia do interrogatório e da confissão de Nino Gavazzo?

Até a direita dos blancos do presidente Luis Alberto Lacalle Pou pede que Manini Ríos explique a ocultação de informações da ditadura.

Mujica anunciou que votará pelo fim do foro privilegiado do senador, para que ele seja julgado. E ameaçou que pode renunciar em outubro, sempre alegando problemas de saúde.

Há um complicador nisso tudo. E se Manini Ríos disser que relatou a Tabaré a confissão do oficial que jogava corpos de tupamaros no Rio Negro?

Ficou ruim a situação da Frente Ampla. A organização Mães e Familiares de Presos e Desaparecidos pressionam pela cassação de Manini Ríos.

O silêncio da Frente pode ser explicado pela sempre presente teoria da governabilidade. O pacto de silêncio dos militares teria contagiado até os civis da esquerda uruguaia.

Não há como manter o pacto em segredo. Nos últimos anos, os uruguaios vêm mexendo nos armários que ainda guardam muitos cadáveres da ditadura.

A esquerda vê os ossos de torturados e assassinados caírem aos seus pés.

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