O filho do doutor Francisco Kertész

jorgekertesz

Troquei e-mails agora há pouco com um cidadão que me disse o seguinte:

– Estou eufórico, satisfeito, entusiasmado, e acrescente mais alguma coisa ou muitas coisas.
E me contou:

– Na manhã de hoje, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul absolveu o médico Dr. Francisco Kertész, meu pai.

Jorge Kertész, com quem troquei os e-mails, fez pela memória e pela honra do pai um gesto que salva um homem, uma família e as referências dele para conhecidos, amigos, pacientes, uma comunidade inteira. Um gesto que pacifica a alma do pai. Por isso, ele estava eufórico.

Leia um resumo da história de pai e filho, contada há um ano em Zero Hora pelo repórter Itamar Melo. Itamar escreveu:

“No dia 27 de agosto de 1940, às 7h30min, Jorge Kertész recebeu do pai uma ordem intrigante. O médico Francisco Kertész disse ao menino de sete anos que ele deveria sair a passear com a irmã.

O Barril, como os moradores chamavam a vila de Frederico Westphalen, era então uma localidade acanhada, com duas dezenas de casas na área central. Onde poderia uma criança ir àquela hora da manhã?

Jorge apanhou a caçula, Izabella, de cinco anos, e começou a vagar. Seguiu primeiro até a parte alta, onde ficava o escritório da comissão de terras do governo gaúcho. Depois de zanzar um pouco por ali, voltou à planície.

Havia passado meia hora, talvez. Perto do hospital, um ferreiro, amigo da família, aproximou-se:

– Jorge, corre para casa que teu pai morreu.

O menino não sabia, mas poucos minutos antes de ser mandado para a rua pelo pai, o delegado de polícia estivera na casa para prender Francisco Kertész e encaminhá-lo à Casa de Correção de Porto Alegre.

O médico pedira um par de horas para organizar algumas roupas e passar instruções aos colegas do hospital. Depois de se livrar do delegado e de afastar os filhos da residência, tirou a própria vida com um tiro. Tinha 36 anos.”

Agora, eu continuo. Francisco suicidou-se em 1940, logo depois de ter sido condenado pela Justiça por imperícia médica. Havia realizado uma cirurgia de apendicite em uma menina de oito anos, que acabou morrendo.

Jorge cresceu e foi se convencendo de que o pai havia sido devastado moralmente por um erro que não cometera.

Em março do ano passado, reuniu documentos e laudos e decidiu recorrer ao Tribunal de Justiça. Pediu a revisão do processo, 75 anos depois da morte do pai.

De lá até aqui, conversei algumas vezes por e-mail com Jorge, que lia minhas crônicas na Zero. Passei a conhecer um humanista que nunca vi. Hoje, fiquei sabendo pela Zero e por um e-mail que ele me enviou, que o pai havia sido finalmente absolvido, num caso raro de revisão de sentença pelo Tribunal.

Jorge, servidor aposentado da Receita, sobreviveu sem Francisco desde os sete anos. Nenhum tribunal trará Francisco de volta. Aos 83 anos, Jorge conseguiu, com a ajuda do advogado Rubens Ardenghi, o possível.

Parece pouco para quem olha de longe. É muito para um homem que exigiu da Justiça a revisão de um erro que matou seu pai.

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Jorge, peço desculpas por divulgar as frases de seu e-mail. Mas eu também comemoro a vitória do amigo e do doutor Francisco Kertész.

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Aqui está o linck da matéria do Itamar, de abril do ano passado:

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/04/filho-tenta-inocentar-pai-condenado-por-erro-medico-75-anos-depois-4747507.html

E aqui a reportagem de Guilherme Justino, hoje em Zero Hora online:

http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/noticia/2016/06/apos-76-anos-filho-consegue-comprovar-inocencia-do-pai-em-condenacao-por-erro-medico-no-rs-5934586.html

A foto é de Mateus Bruxel, de ZH

 

 

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