O GOLPE DOS JAGUNÇOS E DOS CORONÉIS

Quase sempre sou voto vencido em debates sobre os mecanismos de viabilização do golpe, dos estratégicos aos operacionais. Não tenho muita simpatia pelas velhas teorias que sempre buscam explicações nas conspirações internacionais. É uma conversa que tem evoluído nos últimos meses.

É claro que tudo contra governos ou projetos de esquerda tem apoio de fora, tem dinheiro (e muito dinheiro), com interferência em ações que interferem na política e na economia. E há o desejo permanente de impor ordens e interesses por meios não democráticos. Mas o golpe foi, na essência, resultado das aspirações e da mobilização do Brasil arcaico.

Sim, o pato da Fiesp e a imprensa foram protagonistas, mas o tocador do golpe foi o Congresso de Eduardo Cunha, do jaburu, do Caiado, do Zé Agripino, de Aécio, do Bolsonaro e do baixo clero, esse baixo clero do qual poucos sabem dizer os nomes.

O Brasil primitivo, esse Brasil do século 19 ainda vivo, fez a operação que derrubou Dilma. E faria com ou sem apoio internacional. E nada resolveria ter apoio internacional sem esse Congresso.

A bancada BBB é da bala, do boi e da Bíblia. Ainda não foi preciso acrescentar o B dos bancos, que estão presentes, até indiretamente, mas de forma insignificante, porque atuam nos bastidores. As bancadas que decidiram o golpe são as do Brasil do atraso, dos senhores apresentados ao país em maio do ano passado, quando o processo contra Dilma foi aberto pela Câmara, e depois em agosto, quando o Senado consumou o ataque ao governo.

Os porta-vozes da família, da ordem, de Deus e da moral derrubaram Dilma na câmara e no Senado e agora protegem Aécio e o jaburu. Por ação fisiológica, por recompensas diversas, em aliança com a parte ideológica da direita do Congresso. Eles foram e são os condutores do golpe.

Defendi esse ponto de vista nada original na sexta-feira, em debate do 1º Encontro Gaúcho pelo Direito à Comunicação, promovido pelo Comitê Gaúcho do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), CUT-RS, Sindicato dos Jornalistas, Sindsepe-RS e Fabico da UFRGS.

Falo disso agora porque o jornalista e cientista político André Singer, ex-porta-voz de Lula, estudioso do lulismo, escreveu na mesma linha seu artigo de sábado na Folha. Dilma foi golpeada pelo que temos de mais reacionário no Congresso, pela parcela manobrável que ela mesma subestimou ao enfrentar o poder de Eduardo Cunha.

Dilma não perdeu para o sistema financeiro mundial, perdeu para a base do novo escravismo, para os destruidores das florestas, grileiros, coronéis, jagunços rurais e urbanos, para os que defendem a eliminação de pequenos bandidos (e a proteção dos grandes), dos que estimulam e financiam, em nome de Deus, a perseguição a negros, gays, exposições, professores, artistas. Singer prevê que estes mesmos deputados e senadores ou seus similares estarão de volta na eleição de 2018.

Por isso, colocar a culpa no sistema financeiro é tentar sofisticar o golpe. Fomos todos golpeados pela chinelagem. Claro que a evolução do golpismo se dará com eles e com todos os que sustentaram o teatro de maio e agosto, incluindo parte do Judiciário (e o que é mais alarmante agora, com o suporte policialesco que intensifica a perseguição aos movimentos sociais, ao lado das milícias fascistas).

Mas o golpe mesmo foi aplicado e é liderado pelo Brasil arcaico que não precisa se submeter às ordens de ninguém.

 

One thought on “O GOLPE DOS JAGUNÇOS E DOS CORONÉIS

  1. Ainda que se admita que foi apenas “coisa nossa”, há que ponderar o que veio depois: vendas do pré-sal, mais privatizações, pressões sobre os Estados endividados para privatizar suas estatais também, desmanche das leis trabalhistas e da previdência social e, pior, desvio dos recursos para a escolas públicas e universidades, além dos novos currículos escolares esfacelados!

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