O jornalista que odiava chaves
Morreu ontem o jornalista Hugo Soriani, 71 anos, fundador e diretor do Página 12. Estudantes de jornalismo deveriam ler os textos de colegas dele, que estão na capa do jornal online.
São aulas que valem para argentinos, brasileiros, uruguaios. Esse é o começo do artigo de Vitória Ginzberg, em que a jornalista aborda as obsessões de Soriani e sua relação com os colegas:
“Ele não gostava de ter a porta do escritório fechada e ficava incomodado com o barulho das chaves e o tilintar do molho em suas mãos. Eram duas marcas deixadas por quase 10 anos nas prisões da ditadura. Ele tinha mil anedotas e uma memória prodigiosa, ou talvez a capacidade de embelezar os acontecimentos com detalhes e cadências próprias. A verdade é que as reuniões de pauta se arrastavam porque para cada notícia do dia, Hugo Soriani tinha uma reportagem a fazer ou um comentário a contribuir. Poderia ser algo ligado a anos de ativismo, ou de prisão, algo que aconteceu com um companheiro, um político, um músico ou algum artista. Também não faltaram episódios esportivos. E ele contava tudo de um jeito que era sempre interessante e divertido. Quando as coisas se arrastavam e estávamos sentados com o jornal inacabado, com a capa indefinida, eu olhava para ele com a intenção de seguir em frente e ele me dizia: “Pare, querida, isso também é importante”. Porque ele contava tudo com paixão e gostava de conhecer pessoas, de conversar, além das notícias do dia a dia. Esse era o propósito final do encontro: manter vivos os laços que haviam se enfraquecido desde a quarentena da pandemia”.
Um chavista que odiava chaves e se chamava Hugo. Ironias da vida. Repouse em paz.