O MORALISMO DESMORALIZADO

Depois dos irmãos Miranda, chegaram a anunciar que a nova bomba contra Bolsonaro, na CPI do Genocídio, seria a ex-mulher de Eduardo Pazuello. Mas quase ninguém mais dá atenção ao que Andrea Barbosa teria a dizer.

O que uma ex-mulher pode contribuir, com revelações numa CPI, para que se esclareçam os rolos do governo no genocídio, se decidiu se separar de Pazuello logo depois da sua posse como ministro interino da Saúde?

O que Andrea Barbosa pode fazer é esculhambar com a CPI, mesmo que as raivas dos ressentidos carreguem para uma comissão como essa algumas das melhores informações. Delatores tensionados são bons informantes.

Mas a ex-mulher não deve ter informações privilegiadas dos interesses do marido no esquema de produção e distribuição de cloroquina e da sabotagem ao socorro a Manaus sem oxigênio.

Ela deve saber o que todos nós sabemos. Só não se sabia do namoro que incomoda Andrea e que, por envolver figuras em função pública, passa a interessar a todos. Mas será que teríamos informações relevantes? É improvável.

A ex-mulher pode ir à CPI para dizer que a atual namorada de Pazuello, a médica infectologista Laura Appi (na foto), de 32 anos, foi quem ofereceu a Pazuello toda a argumentação dita científica em favor da farra da cloroquina. Todo mundo já sabe.

Pode contar que Laura deve ser uma das primeiras cloroquinistas do governo, como diretora de programa na Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Pode informar que os homens do governo militarizaram até os namoros, porque Laura é tenente.

Pode contar, como andou contando a jornalistas, que a médica acompanha Pazuello desde o tempo em que ele trabalhava em Manaus e depois em Roraima.

A ex-mulher teria um dossiê em que prova que a médica só assumiu cargo de chefia no Ministério da Saúde (e chegou a participar de reuniões sobre tratamento precoce com Bolsonaro) porque é namorada de Pazuello.

Se for depor, talvez diga, como anda dizendo, que viveu o inferno ao lado de Pazuello. Mas e daí? A única contribuição que Andrea Barbosa pode dar, e está dando, com as informações que passa à imprensa, é a que ajuda a expor o falso moralismo bolsonarista.

O discurso básico contra a corrupção e em defesa dos bons modos é sustentado pela extrema direita nos conceitos rasos das moralidades do homem público, da família e dos costumes em geral. O extremista de direita é um moralista insuportável.

O que ficamos sabendo agora pela ex-mulher do ex-ministro é que um general levou a namorada para o governo e lhe assegurou o cargo de comando numa área importante da saúde pública, e num dos momentos mais graves da pandemia.

Levou a namorada para defender a cloroquina e inclusive coordenar a elaboração de um protocolo para uso do remédio que não cura e pode matar quem tem Covid.

Se fosse um ministro de governo do PT, teria caído logo depois de assumir e nomear a namorada, por ele indicada em maio do ano passado, quando chegou à chefia do Ministério ainda como interino.

O moralismo, que prospera também no meio militar, é desmoralizado pelos próprios moralistas. Mesmo que a médica seja uma competente receitadora de cloroquina, não há como aceitar que ocupe com naturalidade um cargo de comando oferecido pelo namorado ministro.

Pode até ser legal, mas vamos imaginar que passe a ser considerado ‘normal’. Um governo seria loteado por casais, parentes, tios, sobrinhos, amiguinhos, amantes e amiguinhas.

Qualquer um namora quem quiser ser namorado ou namorada. Mas figuras em cargos públicos são submetidas não só a normas de conduta, mas ao olhar de todos, em todas as áreas, principalmente a das relações pessoais.

O ex-ministro da Saúde britânico Matt Hancock foi forçado a renunciar depois de flagrado e fotografado beijando a amante em instalações do governo. Ele havia levado a mulher para um cargo de assessoramento na saúde pública.

Pazuello já havia levado militares para a sua pasta. Há pelo menos quatro deles envolvidos nos rolos das vacinas e outros negócios do governo no ‘combate’ à pandemia. E levou também a namorada.

A imprensa sabia da existência e do poder da médica (há reportagens do ano passado a seu respeito), considerada a principal conselheira de Pazuello sobre cloroquina. Mas não dizia que os dois tinham um caso amoroso.

Por que não dizer, se contam agora o que todo mundo sabia dentro do governo? O Brasil só ficou sabendo da relação entre os dois pelas informações da ex-mulher do general.

A produção, a recomendação e a distribuição de cloroquina tiveram o suporte técnico da infectologista. Ela, sim, poderia ser ouvida na CPI, pelo cargo que passou a ocupar como presente do marido, e não a ex-mulher do general.

(O que Pazuello pode dizer é que a namorada é servidora pública como oficial do Exército. Mas o cargo que ela ocupa é de confiança. E Pazuello pode dizer que, quando indicou a médica para o cargo, ela não era ainda sua namorada. Aí o problema é outro e só seria resolvido com acareação com a ex-mulher. Depois de iniciado o namoro, se foi esse o caso, a médica deveria ter sido afastada do cargo de chefia, em nome da moralidade que a extrema direita tanto exalta.)

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