O REITOR QUE ENTROU NUMA FRIA

Recebi ontem avisos sobre o debate virtual entre o reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, e o deputado Osmar Terra, que têm posições conflitantes sobre o enfrentamento da pandemia.

Não vi o debate, por entender que não deveria existir. Muito menos agora. Hallal estuda e defende restrições ao convívio social, e Terra é pela liberação geral. Esse confronto de opiniões é uma contribuição mais do que inútil para uma falsa controvérsia. É nocivo, é desorientador.

Hallal poderia se negar a participar do debate promovido pela Comissão de Economia da Assembleia por vários motivos, mas um é singelo e inquestionável: Terra tentou ser o vidente da pandemia, para se consagrar como adivinhador, e errou todas.

Mas esse não é seu maior erro como pregador do contágio sem restrições, que só exigiria proteção dos idosos.

Terra não tem contribuições racionais para o enfrentamento de uma peste que já matou mais de 8 mil pessoas no Brasil (ele previa que não passariam de mil).

Terra é médico, Hallal é especialista em epidemiologia, o que induz ao erro de que o debate teria sido científico. Há ‘físicos’ no Brasil que defendem que a Terra é plana. E os físicos que sabem que a Terra é uma bola nunca iriam se prestar a um debate com nenhum deles.

Esse embate tardio sobre as formas de controle da pandemia só confunde. Mesmo que, ao final, as posições de Hallal possam prevalecer, por convencimento (tenho dúvidas), terá sido um desperdício de sabedoria e energia. Porque a pandemia não se presta a controvérsias vazias.

A pandemia exige ações urgentes sustentadas por referências consagradas e provadas, como são os estudos de Hallal. Osmar Terra deve debater com polemistas das pestes de séculos passados, se alguém conseguir ressuscitá-los.

Li há pouco na Folha um artigo do médico David Uip, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo. Uip continua na linha de frente, depois de ter sido infectado e adoecer.
Ele escreve:

“As decisões tomadas até aqui – a mais conhecida é a quarentena para ampliar o isolamento social e, com isso, evitar o contágio – são baseadas na ciência, no conhecimento e na expertise do centro de contingência, cujos membros mantêm conversas diárias e participam de coletivas de imprensa todos os dias no Palácio dos Bandeirantes, sempre com a atualização do boletim epidemiológico de casos, óbitos e taxas de ocupação hospitalar”.

Uip lida com a realidade e está exposto à avaliação pública, inclusive de não especialistas. Mas leiam com quem ele trabalha:

“Esse centro, coordenado por mim, é formado por especialistas em saúde, entre cientistas, médicos, professores universitários, virologistas e pesquisadores com larga experiência nos setores público e privado”.

Pedro Hallal coordena a pesquisa da UFPel que procura rastrear a presença do coronavírus no Estado e assim oferecer subsídios decisivos para as ações da saúde pública. E Osmar Terra?

Osmar Terra lê notícias e estudos na internet, como eu, tu aí, todos nós fazemos. Já foi acusado por gente da área de disseminar fake news. E se refere à pandemia, sempre citando que foi secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, confrontando o cenário do coronavírus ao do surto da H1N1, uma comparação sem qualquer cabimento.

Terra é o cara que errou cálculos primários, mas que tenta sobreviver do erro, como se ele o conduzisse para uma saída que não existe. É um intuitivo da direita que não deu certo.

O deputado deseja se comunicar com suas bases políticas ultraconservadoras, o que é legítimo, mas não pode se arriscar ao vale tudo e induzir as pessoas a equívocos que podem ser fatais.

Ele não pode incentivar a população ao contágio, como se estivesse apena emitindo um palpite. Em alguns países que controlaram a pandemia com restrições impostas à força, ele seria preso. Aqui, Terra é o cara do contágio de manada, folclorizado pelas adivinhações furadas.

O reitor de uma universidade, que por acaso também é cientista, uma referência acadêmica, um pesquisador com reputação a preservar, não pode se prestar a embates populistas.

O reitor da UFPel ofereceu escada a Osmar Terra. Há outras formas de divulgar o estudo que reafirma a necessidade do isolamento social.

A decisão de participar do debate, independentemente dos resultados, já legitima o que não pode ser legitimado pela universidade.

Um cientista não pode, sob quaisquer pretextos, debater com quem nega a ciência, assim como um democrata não pode avalizar um debate sobre liberdades com um golpista que nega a democracia.

3 thoughts on “O REITOR QUE ENTROU NUMA FRIA

  1. Prezado móises,

    PerfeitA sua análise, apenas
    Aqui no rs, vergonhasamente, é dado espaço para esse sr.

    Ter sIdo secretario de estado e prefeito de santa rosa não lhe dá atestado de competência. Estranho a assembléia promover tal debate.

    Abraços, e obrigado por continuar expressando a sua corajosa opinião. CaRlos.

  2. Prezado Carlos…
    Não só nosso ex secretario, mais vários politicos tem voz na nossa midia gauderia.
    Desde a tropa de choque de michel temer, ate reus confesos de caixa dois…

  3. Eu descordo! Se não debatermos com o senso comum, ainda mais com este tipo de leitura “chula”, não vamos desconstruí-lo e contribuir para uma nova reflexão. Já dizia a velha dialética: é da força dos contrários q surge uma nova síntese e o potencial de transformação social. Toda a minha admiração e respeito ao reitor Pedro Hallal q não se exime do debate, q apresenta seus argumentos científicos e, consequentemente, cria as condições provocar a reflexão e mudar o discurso.

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