O RIO GRANDE DOS NEGROS

O escravismo gaúcho foi periférico, cordial e pouco intenso? Há muito esse mito do escravista bonzinho foi soterrado pelos historiadores e pesquisadores das mais variadas áreas. Mas ainda há coisas que muita gente não sabe, principalmente os racistas.

O professor Mário Maestri listou, em 1998, em artigo publicado em Zero Hora, dados que podem surpreender até hoje os que acham que esse sempre foi um Estado branco, hoje o segundo Estado mais branco do Brasil, atrás apenas de Santa Catarina.

Em 1780, quando se inicia a produção da charqueada escravista de grande porte no Rio Grande do Sul, os escravos representavam 29% da população do Estado, que era de 18 mil habitantes. Eram em torno de 5,4 mil gaúchos negros.

Sim, quase um terço do Estado era de negros e negras. Em 1872, o Rio Grande era a sexta província em quantidade absoluta de escravos, depois de Minas, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.
Mário Maestri escreveu:

“O esquecimento do afrogaúcho como importante construtor do Rio Grande do Sul não é um ‘lapso’ com consequências apenas na historiografia. Ele contribui para a desqualificação sócio-racial do afro gaúcho contemporâneo, ou seja, fortalece as importantes tendências racistas antinegro no Rio Grande do Sul”.

Maestri foi o primeiro a observar que o negro não aparece nem no painel pintado por Aldo Locatelli, nos anos 50, e em lugar de destaque no Palácio Piratini, sobre a formação do Rio Grande.

No painel, até aparece um índio guarani. Mas não há espaço para o negro. E a obra está num salão chamado Negrinho do Pastoreio.

O que Maestri nos mostra é que o branqueamento do Rio Grande do Sul, a partir da chegada dos imigrantes alemães e italianos, no início do século 19 (e dos que vieram depois), ajuda a explicar o que temos hoje como percepção de um “Estado europeu”. Mas essa imagem falsificada vem de muito antes, vem do começo do século 20.

Os prósperos descendentes de imigrantes europeus pobres e miseráveis devem saber disso, porque muitos desses descendentes são hoje o retrato do racista gaúcho.

Eles devem saber que, enquanto os colonos ganhavam terras para “civilizar” o Estado, os negros continuavam escravos. Mais tarde, quando ‘libertos’, foram entregues à própria sorte.

A Bela Vista dos ricos, numa das partes altas de Porto Alegre, era terra de escravos libertos depois de 1884 (quatro anos antes do fim da escravidão no Brasil). Aos poucos, foram empurrados pelos brancos para os cantos da cidade.

Relembro tudo isso porque o texto de Maestri foi publicado em um caderno especial de Zero Hora sobre a escravidão, de 1998, que tive a honra de ajudar a escrever e editar, ao lado de Nilson Mariano, Luiz Antonio Araujo e Luiz Armando Vaz.

Viva o Dia da Consciência Negra.

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O MILITANTE INSPIRADOR
Oliveira Silveira, rosariense, poeta, escritor, professor, pensador, militante, o cara que agregou, inspirou e reuniu uma turma, lá nos anos 70, e começou o que levou a muito do que temos hoje de afirmação do negro, incluindo o Dia da Consciência Negra.

A foto é de Tânia Meinerz

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