O SONHO E O PESADELO, Abrão Slavutzky

Publico aqui o texto semanal do psicanalista Abrão Slavutzky.

Minha vó sabia adivinhar o futuro. Ela aprendeu com as famosas ciganas da Ucrânia a jogar as cartas. Acreditava que as cartas revelam o destino de uma pessoa.

Após anos jogando as cartas decidiu nunca mais fazê-lo, pois se sentia mal em ter que dar as más notícias. Meu pai acreditava que sua mãe sabia ler as cartas. Já eu nunca levei a sério os que apregoam saber o que irá ocorrer.

O futuro é uma ilusão, logo uma incerteza. Diante da insegurança do que está por vir, imaginamos que os signos podem saber. Outros acreditam no tarô, nos búzios, ou numa imensa quantidade de práticas tão consultadas em fim de ano.

Todos querem saber se no futuro teremos sonhos agradáveis ou pesadelos, sorte ou azar, se o destino irá sorrir ou trará lágrimas. O escritor Eduardo Galeano relata que um dia uma cigana pediu sua mão para ler seu futuro. Ele pagou-a, mas não quis saber o que iria lhe ocorrer, pois gostava de viver a incerteza.

A partir daqui gostaria de refletir sobre o destino e mais ainda sobre os sonhos noturnos e os pesadelos que nos fazem despertar. Escrever sobre os desejos inconsciente, os sonhos diurnos e fantasiar com um Brasil mais justo e humano.

Um país que se aproxime dos valores universais: liberdade, igualdade e fraternidade. Palavras de mais de duzentos anos que agora ameaçam ficar mais distantes.

Estamos numa encruzilhada, onde os sonhadores imaginam que Haddad poderá vencer para surpresa das pesquisas de opinião. Sonham com um país feliz de novo e com menos ódio. E há os percebem o pesadelo que nos alerta o candidato que hoje apregoa que se deva matar pelo menos 30 mil.

Os novos tempos tiveram uma frase inesquecível do Presidente do Superior Tribunal Federal. Ele disse, calmamente, que 64 não foi um golpe militar, mas um movimento. Não esclareceu que movimento foi que durou 21 anos. Um dia poderemos escutar que Tiradentes não foi enforcado, mas suicidou-se.

Os jornais já estão dando em manchetes: os generais estão se reunindo em Brasília fazendo planos de governo. Sim, os generais estão chegando! Escrevo sobre o amanhã sem ler as cartas como minha avó, estou pensando em voz alta.

Agora, como é bom lembrar as palavras corajosas de nossa Erundina que com mais de 80 anos disse com entusiasmo: “Todas nossas lutas valeram a pena”.

Em 64, eu era um adolescente perplexo, depois vivi a terrível ditadura Argentina de 1976. Imaginei nunca mais viver sob pesadelos autoritários. Agora, como antes, será preciso transmutar temores em esperanças como escreveu Elias Canetti.

Não esquecer da poesia e algum humor para aliviar a dor. Tudo isso entre todos e assim não afundar muito. Nosso ânimo pode arrefecer, mas a vida continua e seguiremos sendo plurais e defensores da frágil democracia.

Incrível como a vida segue sendo permeada por ilusões e desilusões. Hoje, muitos estão desiludidos, mas satisfeitos de estarem do lado da liberdade, das artes, da dignidade.

Pensando melhor, há muito decidimos que viver é caminhar tendo como norte uma utopia a que não chegaremos, mas é importante como um norte. Vencendo ou perdendo as eleições, a década de 20 será muito difícil politicamente.

Haverá queixas, mas não ficaremos entediados e o mundo estará atento ao nosso país. Caminharemos ao lado de muita gente, somos muitos milhões esperançosos.

*Psicanalista

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