OS MASCARADOS IMORTAIS

No primeiro surto da H1N1, em 2009, o Hospital Mãe de Deus armou uma grande tenda branca no pátio, onde fica hoje a área ampliada de acesso.

Participei da cobertura da epidemia da chamada gripe A em Porto Alegre como repórter de Zero Hora. Lembro que entrei na tenda, conversei com as pessoas e com um médico. Havia pouca gente.

Tenho até hoje a imagem de uma moça sentada sozinha num corredor de espera, quase na porta, com uma máscara que cobria seu rosto abatido.

Era uma tarde cinzenta. Senti certa apreensão por estar ali. Mas não senti nada perto do medo que sinto hoje.

Já em 2010, me lembro do pátio do Centro de Saúde Modelo lotado, quase sem espaço para caminhar. Jovens, muitos jovens.

De cada 10 pessoas que estavam na fila da vacina, oito eram jovens. Tinham um medo. Sabiam que a gripe escolhia a maioria de suas vítimas entre eles, matando principalmente pessoas com até 30 anos.

A peste avançava com rapidez. Em 2009, a H1N1 surgiu em maio no Brasil. Em menos de um mês, já eram quase mil infectados.

No dia 26 de junho morreu o primeiro paciente no país, um caminhoneiro de 29 anos, de Passo Fundo.

Em todo o Brasil, a gripe matou 2.060 pessoas no primeiro ano de surto. Algumas estatísticas revelam que em torno de 70% eram jovens.

A H1N1 foi sendo controlada, ano a ano, com alguns períodos de pico, como em 2016 (por desleixo com a vacinação), mas há um dado surpreendente que descobri ao pesquisar números: no passado, 3,4 mil pessoas tiveram gripe A no Brasil, e 796 morreram. Mas não descobri se a H1N1 continua escolhendo os jovens.

Contam que os bares da Cidade Baixa de Porto Alegre estavam lotados até ontem à noite. Em São Paulo, as zonas de boemia não tiveram redução de público. Os jovens demoram a sair das ruas.

Hoje a Folha informa em reportagem que jovens paulistanos se reúnem na frente dos bares usando máscaras. Esses que aparecem na foto estavam nos bares da região da Luz.

O repórter João Perassolo, que fez a foto, ficou sabendo que as máscaras são adereços. “Não são usadas como medida sanitária, e sim como acessório para compor o visual”.

A máscara é a fantasia da negação. Os jovens decidiram se reunir e beber muito, antes das leis de fechamento dos bares e da quarentena, que poderá ser compulsória em algum momento.

Não faz sentido querer julgá-los. A gripe A matou jovens numa época em que a gurizada de hoje tinham ao redor de 10 anos. Hoje, o coronavírus mata os velhos.

Os jovens se divertem enquanto experimentam o que sobra de sentimento de eternidade antes da pandemia.

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