OS RECADOS DO RECRUTA

Vamos imaginar a cena a seguir com o máximo de realismo, para que seja verossímil e não apenas uma fantasia ou um delírio pré-golpe.

Na cena, o presidente do Bradesco telefona para a sala de estagiários de comunicação (que ainda não foi totalmente terceirizada e presta serviços diretos dentro do banco) e diz que deseja fazer um vídeo.

Octavio de Lazari Júnior chama o estagiário sem a intermediação de ninguém e sem ao menos pensar em consultar o chefe do rapaz, porque convive sem barreiras com servidores de todos os níveis.

O presidente do Bradesco quer um vídeo pessoal, artesanal, bem caseiro, para enviar ao comandante do quartel em que serviu em 1982, o 2º Pelotão da 2ª Companhia do 39º Batalhão de Infantaria Motorizada, de Osasco. É uma homenagem à unidade militar que ajudou na sua formação.

Mas algum tempo depois alguém vaza o vídeo e o Brasil fica sabendo que um dia o presidente do Bradesco foi o soldado 939. E ficamos sabendo mais pela voz decidida de Lazari:

“Foi lá que eu aprendi que não se deixa ninguém pelo caminho, que a adversidade, quando encarada com inteligência, vira força e conhecimento e que, acima de tudo, missão dada é missão cumprida”.

E, bem ao final de quase três minutos, temos o impacto da mensagem mais assertiva:

“Passam os anos, mas algumas coisas não mudam. E o soldado 939 Lazari continua de prontidão”.

Essa amarração dá coerência ao conjunto todo de exaltação ao Exército. Quem fala ali é o soldado 939, ainda incorporado ao presidente do Bradesco. E esse recruta, sempre submisso a missões dadas, continua de prontidão.

Mas, se o vídeo é dirigido ao comando e aos quadros do quartel, que o assistirão em sessão fechada, por que Lazari diz que “foi lá” que aprendeu a não deixar ninguém pelo caminho? Por que o tom não é direto, de quem manda uma mensagem a um público específico em reduto fechado?

Por que o tom excessivamente militar, se Lazari apenas passou pelo quartel para cumprir o serviço obrigatório e é hoje um dos mais poderosos civis da República no comando do maior banco brasileiro?

Por que o vídeo foi vazado agora, se teria sido uma mensagem particular feita há dois meses, em atenção a um pedido do comandante do quartel?

Retomemos então a tese do estagiário, considerando-se que a obra teria sido uma barbeiragem que um profissional vetaria.

O vídeo tem logo na abertura o logotipo do Bradesco ocupando toda a tela. Lazari começa falando como presidente do Bradesco.

O vídeo tem letterimg, com palavras-chaves da mensagem a ser passada: valores, retidão, determinação, respeito, confiança, união e disciplina.

Na aparência, finge ser um vídeo caseiro e pessoal que seria dado de presente. Mas o que tenta passar mesmo é o vínculo de fidelidade do presidente do Bradesco e da marca do banco com o Exército e as virtudes do militarismo.

Não, não é um tik tok na cozinha. Não é um vídeo de estagiário. Tem texto, tem imposição corporal e de voz com entonação militar e tem do início ao fim a linguagem castrense do soldado de prontidão.

Dependendo de quem olha, a encomenda do comandante teria virado um mico, porque contamina a imagem do banco e assusta parte da clientela.

Sob outro ponto de vista, de que é a hora de ir em frente e assumir posições arriscadas, pode ter sido um sucesso.

O Bradesco cria constrangimentos com muita gente, mas ganha pontos preciosos com Bolsonaro e os militares, ao fazer uma aposta no imponderável.

O soldado 939, que não se acanha diante de adversidades, pintou-se para a guerra. Até a taxa Selic deve estar meio assustada.

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