Precisamos conversar sobre trumpismo, bolsonarismo, meninos, meninas e LGBTQIA+
David Brooks, colunista do The New York Times, oferece mais uma abordagem que passa pela questão do macho desamparado e ferido, para a compreensão do fenômeno do trumpismo.
Vários textos de americanos têm considerado esse como um dos aspectos mais negligenciados por analistas antes e depois da eleição. No Brasil, até a esquerda se nega a conversar sobre direita e machismo ferido.
Brooks lembra um conjunto de mudanças que abalaram a autoestima dos americanos, como a perda de importância do trabalhador da indústria, o fim do operário clássico das grandes corporações, principalmente da área automobilística, a ascensão da economia digital, a perda de relevância de um diploma universitário e, para completar, a ameaça representada pelos imigrantes que disputam os empregos menos valorizados.
E escreve, para falar do macho ferido, que Trump soube conquistar, incluindo os jovens:
“Isso impactou especialmente os meninos. No ensino médio, dois terços dos alunos entre os 10% com as melhores notas são meninas, enquanto cerca de dois terços dos alunos entre os 10% com as piores notas são meninos. As escolas não são estruturadas para promover o sucesso masculino, o que gera consequências pessoais ao longo da vida e, agora, nacionais”.
Se fosse preciso resumir. A escola não se preparou para a crise do macho americano, enquanto as mulheres aprendiam mais, ganhavam autonomia e renda e questionavam os homens ao redor.
Os abismos das mudanças econômicas e sociais nos EUA atingem muito mais os homens do que as mulheres, mas cada vez mais de forma devastadora. Brooks acrescenta:
“Os graduados do ensino médio morrem nove anos mais cedo do que as pessoas com diploma universitário. Eles morrem de overdose de opioides a uma taxa seis vezes maior. Eles se casam menos, se divorciam mais e têm mais probabilidade de ter um filho fora do casamento. Eles têm mais probabilidade de ser obesos”.
Parece óbvio, mas o que se apresenta aqui, e ajuda a explicar a eleição de Trump, é que pela primeira vez os próprios americanos apontam que o homem, o mais atingido e atormentando por toda essa crise, parte para a vingança. Em áreas urbanas e rurais, sendo americanos brancos ou negros ou de origem latina.
E não é só uma conversa sobre meninos e meninas, mas sobre os medos diante do crescimento do poder das pessoas LGBTQIA+. O macho inseguro temia as mulheres, agora teme ainda mais gays, lésbicas, trans.
Para encerrar, esse trecho:
“Enquanto a esquerda se voltava para a arte performática identitária, Trump mergulhava na guerra de classes com os dois pés. Seu ressentimento nascido no Queens em relação às elites de Manhattan se alinhou magicamente à animosidade de classe sentida pelas pessoas rurais em todo o país. Sua mensagem era simples: essas pessoas te traíram, e além disso são idiotas”.
Quem quiser trazer essa abordagem para o Brasil pode ajudar na compreensão do fenômeno que fez com que o macho de classe média se voltasse contra Lula e o PT.
Muitos desses meninos maduros, que se sentiram ameaçados pela ascensão da classe C, pelas cotas, pelo ProUni, pela afirmação da liderança das mulheres em espaços de trabalho e pela expansão do identitarismo, foram muito antes ativistas de esquerda e petista de bandeira na rua.
____________________________________________________________________________________
E agora esse trecho de artigo da escritora Bruna Maia, na Folha, que aborda o choro dos machos por um aspecto interessante, que é o da transferência de culpas:
“Pode reparar, desde que Trump ganhou, tem um monte de homem, de esquerda inclusive, culpando mulheres, LGBTQ+ pelo acontecido. Afinal, se não fosse a luta dessas pessoas por direitos, os pobrezinhos não teriam sido forçados a votar em trogloditas que prometem acabar com o identitarismo. Nada de novo no front, culpar as vítimas pelos próprios erros e pelos próprios desejos obscuros de eleger fascista é típico desse recorte”.
Vc só se esqueceu de explicar por que 45 % das mulheres norte-americanas votaram em Donald Trump.