QUANDO O PERVERSO VIRA ‘ESPONTÂNEO’

Jornalistas têm vergonha de jornalistas (eu tenho vergonha das atitudes de Vera Magalhães), arquitetos sentem vergonha de colegas arquitetos e políticos devem ser os que mais vivem se envergonhando de quem convive com eles, mesmo que o envergonhado seja muitas vezes também um envergonhador.

Li hoje na Folha uma tentativa de compreender Bolsonaro pela abordagem da psicanálise. Bem interessante. Está lá o Mario Corso, que admiro e com quem concordo sobre o homem frágil, inseguro e bélico.

Mas aí a reportagem é amarrada pela professora Tânia Coelho dos Santos, do programa de pós-graduação em teoria psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que diz tudo ao contrário do que os outros disseram antes.

Quase todos dizem que Bolsonaro é um sujeito que precisa estar sempre reafirmando, pelo conflito, uma autoridade que não sabe se detém, e que por isso mesmo é um fraco.

Pois Tânia – informa a Folha – diz que “o presidente tem uma personalidade teatral e histérica, que faz com que possua grande habilidade em conquistar o interesse das pessoas devido à sua espontaneidade. Não o vê tomado de um sentimento de inferioridade”.

“Para ela, seria quase um ‘desafio clínico’ analisar, ao mesmo tempo, o comportamento encrenqueiro e inábil de Bolsonaro com o histórico de quem montou um bom time de ministros, “com valores bastante raros na cultura política brasileira”.

“Ele é tão colorido em matéria de sentimentos que vai ter raiva, vai ter ressentimento, afeto. Ele é muito espontâneo. Não dá para dizer que é um ressentido crônico, de jeito nenhum”, diz a professora.

É a fala de uma professora de pós-graduação em teoria psicanalítica. É fácil entender por que existem os Bolsonaros. Os Bolsonaros não são invenção deles mesmos, mas das mentes que os transformam em detentores de poder sobre milhões de pessoas, cercados de ministros com valores raros.

A abordagem das eventuais patologias de Bolsonaro é controvérsia para quem entende de cabeças alheias. Mas é dureza ouvir alguém dizer que Bolsonaro talvez erre, não por ser um ressentido crônico, mas por ser uma alma colorida e espontânea.

O desagradável numa reportagem como essa é que uma voz com autoridade ‘científica’ transforma a perversidade de Bolsonaro em espontaneidade. E aí tudo parece liberado pelo aval do especialista.

3 thoughts on “QUANDO O PERVERSO VIRA ‘ESPONTÂNEO’

  1. Gosto demais de tudo que você escreve! Sua crítica ė de uma lucidez e de uma AudÁcia (entenda como elogio, por favor!) Que me lava a alma! Que bom que trmos seres pensantes neste nosso Brasil!
    Assim, då-me esperança de que o jogo vire a favor do povo trabalhador e sofrido!

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