UM NEGRO DA ROCINHA NO COPA STAR

Quando uma ambulância vinda da Rocinha estacionar na entrada do Hospital Copa Star, em Copacabana, com um negro na maca. Quando a maca com o doente da Rocinha passar pela porta e cruzar depois pela portaria.

Quando a maca for liberada, porque o caso será considerado de urgência e nem deveria ter sido encaminhado à portaria de mármores e brilhos, mas à entrada lateral, e quando a maca subir pelo elevador carregando o negro, já observado por pelo menos dois médicos brancos.

Quando a maca for direto para a UTI. Quando o paciente da Rocinha perceber que a UTI do Copa Star é equipada com telas gigantes, que transmitem ao vivo a movimentação das ruas e até da praia de Copacabana.

Quando se der conta de que pode ser salvo da Covid-19 num lugar em que as câmeras captam a vida lá fora e levam a vida para dentro da UTI.

Quando perceber que seu caso é para respiração artificial e que há respiradores de sobra por todos os lados, com equipes prontas para salvá-lo.

Quando tudo isso acontecer, quando um negro sem plano de saúde e talvez sem CPF for acolhido pela UTI do Copa Star, o mais requintado hospital da Rede D’Or, um dos mais chiques do mundo, aí então o Brasil terá dado um salto maluco em direção a alguma coisa improvável que ninguém saberá ao certo e de imediato do que se trata.

Quando um negro pobre for socorrido pela rede privada, quando houver fila única para salvar quem chegou primeiro, na rede pública ou na rede dos ricos, terá acontecido algo que talvez só uma pandemia provoque e explique.

Mas não vamos considerar apenas o caso de um negro da Rocinha em uma fila única que encaminhe pobres e negros para hospitais filantrópicos mantidos bravamente por religiosas e benemerentes. Que seja uma fila única capaz de levar negros da Rocinha para algo do porte do Copa Star.

Que o morador da Rocinha possa perceber, enquanto a maca anda pelos corredores, quando sair da UTI, que o hospital é forrado de obras de arte. Que o vírus que invadiu seu corpo entrou com ele na UTI, mas que nunca poderia sair vivo de lá.

Porque as UTIs e os hospitais da rede D’Or têm antecâmaras com pressão negativa, que impedem que um vírus saia andando pelo hospital e volte às ruas.

É uma pena que os acompanhantes do negro da Rocinha não possam desfrutar de duas coisas que diferenciam o Copa Star: o restaurante com cozinha internacional, a melhor do Brasil, e o SPA para os parentes que precisam permanecer no hospital.

Os pobres não terão direito a tudo, porque a fila única não será assim tão ampla e generosa. Mas um pobre da Rocinha, quando retornar ao quarto, já recuperado da Covid-19, perceberá que os colchões se adaptam ao formato e ao peso do corpo.

Pelo celular, acionando um aplicativo, ele poderá controlar a climatização, a iluminação, as cortinas a inclinação da cabeceira da cama.

E quando receber alta, verá na sala de espera do hospital que acompanhantes de ricos se misturam a visitantes de pobres com suas sacolinhas de plástico e suas máscaras caseiras de tecidos florais. Ele estará participando do milagre da fila única.

Será a nossa realidade. Alguns juízes já estão determinando que os pacientes sejam enviados para a rede privada, por falta de UTI nos hospitais públicos. Governadores têm comprado vagas em leitos da rede particular.

Mas o imponderável só acontecerá quando um negro conseguir entrar no Copa Star. Apenas uma vez na vida, só agora.

Depois, ele não precisará brigar por uma vaga no Copa Star. Passada a pandemia, irá brigar por melhorias no SUS. Não para que tenha telas com vídeos de cenários da vida lá fora, mas para que as UTIs existam e tenham gente e remédios.

Se um favelado da Rocinha for atendido em um hospital da rede D’Or, alguma coisa terá acontecido. Alguém precisa encostar um dia, de surpresa, uma ambulância na portaria do Copa Star.

Qualquer motorista de ambulância do SUS já sabe, porque passa na frente a toda hora, mas este é o endereço: Rua Figueiredo de Magalhães, 700 – Copacabana.

2 thoughts on “UM NEGRO DA ROCINHA NO COPA STAR

  1. Amigo, eu sou da raça branca e sou o que eu chamo de “carioca de raiz”, mais do que carioca da gema e não tenho dinheiro para bancar um hospital desses. Pode apostar que nenhuma ambulância desse hospital me buscaria só porque eu sou branca, vivendo ou não numa favela.

    Então, quando você ver uma mulher da raça branca, sem condições de pagar mesmo parceladamente o tal hospital no bairro onde eu passei a maior parte da minha vida, aí poderemos dizer que só o negro é discriminado, tá bom? Rsrs.

    Se eu sou tão privilegiada assim só por ser, sem mistura na família, da raça branca, então estou vacilando em não exigir esses privilégios “narutais”, porque, que eu saiba, brancos sem poder aquisitivo são tratados da mesmíssima forma.

    Mas aposto que aquele ex ministro negro abastado do STF não é. Rsrs.

  2. pENSO QUE, NESTE CASO, NÃO É O NEGRO QUE É DISCRIMINADO, É O CLASSE ” c “. ATÉ HOJE ME PERGUNTO PORQUE HOSPITAIS DESTE PORTE PODEM COBRAR O QUE QUISEREM DE SEUS FREQUENTADORES SEM SOFREREM AS PENALIDADES DO CÓDIGO DE FESA DO CONSUMIDO, PARA ELES, NÃO EXISTE CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, PODE EXISTIR PREÇOS SUPERFATURADOS, PODEM COBRAR O QUE QUISEREM. POR QUÊ ?

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