A ajudadora usa o deboche para se apresentar como protagonista

Podem ser mais do que parecem os deboches de Michelle Bolsonaro dirigidos a Alexandre de Moraes e a inimigos da família. Não é bom subestimar o que seria ingenuidade da ex-primeira-dama com as afrontas a quem está cercando a família.

A ideia de que ela irá criar a MiJoias, como ironia às investigações sobre os contrabandos das arábias, não deve ter surgido ali no discurso no palco do encontro do PL esses dias em Pernambuco.

É uma grife pensada. Michelle pode ter se empolgado com a plateia de mulheres, mas o projeto da Mijoias é bom como ironia e está acima das suas falas médias com deboches sem imaginação.

A extrema direita do entorno de Bolsonaro deu corda a Michelle por ter percebido há muito tempo que ela tem talento para chamar os inimigos para a briga como manda o barraco suburbano. Ela pode dizer o que os homens não podem ou não têm coragem de dizer.

No encontro em Recife, Michelle chamou de tapado quem a questiona sobre as joias. Anunciou a criação da grife e se comportou como uma mulher destemida e irônica. Isso é bom na política? Não era, mas hoje os valores, o ambiente e os personagens são outros.

A palavra deboche aparece na internet em dezenas de textos em que Michelle é citada. Ela já debochou da roupa usada por Bruna Marquezine. Em janeiro, debochou de uma lista das visitas que recebia no Alvorada, divulgada pelo governo Lula. Um pastor a visitou 31 vezes entre 2021 e 2022.

Em março, debochou do início das investigações sobre as joias: “Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein? Estou rindo da falta de cabimento dessa imprensa vexatória”.

Em maio, debochou da campanha do governo Lula pela vacinação, por ter entendido que atingia o marido não imunizado, e informou que era vacinada. Em agosto, debochou da decisão de Alexandre de Moraes de determinar a quebra do seu sigilo bancário.

E agora, em Recife, debochou das investigações sobre as joias. Os casos anteriores podem ter sido acionados por impulso, com intervenções nas redes sociais, por causa da sua vocação barraqueira.

Mas o evento em Recife foi preparado para que ela brilhasse, com palco e plateia, e produzisse uma fala com repercussão. A Mijoia virou manchete.

Tudo isso pode significar apenas que Michelle é assim mesmo e precisa dar a entender que não teme o cerco.

Pode significar que os homens do seu entorno, inclusive do PL, incentivam suas tiradas como desafio a Moraes, ao Ministério Público e ao sistema de Justiça. E pode querer dizer apenas que ela está no jogo.

Se Romeu Zema avança, cita Mussolini e ataca o Nordeste, se Eduardo Leite apoia Zema logo depois dos ataques aos nordestinos, se Tarcísio de Freitas firma posição como caçador de ‘bandidos’, enquanto sua polícia o ajuda produzindo massacres, Michelle precisa acompanhar o batalhão da frente na maratona que está começando no vácuo deixado por Bolsonaro.

Uma avaliação mais crítica, de quem ainda pensa que entende de marketing político, pode sugerir que ela parece amadora e que fica evidente a falta de acabamento das suas falas.

Mas não será esse o charme de Michelle, que se comunica, no mesmo tom de Damares, com a simplicidade de uma pastora que todo mundo entende?

A ironia, que em excesso funcionava como arapuca na política do século 20, pode estar a serviço de Michelle de um jeito que nunca esteve, na forma do deboche escrachado de uma mulher sem freios que agora se apresenta também como lutadora de boxe.

Com um detalhe importante. Se o cerco se fechar mais ainda em torno de Bolsonaro e seus asseclas, não será Michelle um dos primeiros alvos de decisões mais drásticas.

Porque é mulher, e a caçada aos Bolsonaros não cometeria o erro de pegá-la antes dos machos. E ela não é protagonista de quase nada.

Michelle era apenas a ajudadora do marido e pregadora do Evangelho. Cuidava do seu dinheirinho contado e das suas continhas com Mauro Cid e recebia os presentes dos príncipes.

Não apareceu em nada que a comprometa como envolvida diretamente nos crimes sob investigação. No fim, se não tiver problemas graves nas contas bancárias, pode ser a única da família a escapar.

A dúvida é se a frase sobre a Mijoias não pode ter produzido uma grife contra ela numa campanha, se ficar ilesa e for em frente. Em tempos idos, poderia. Hoje, não se sabe de mais nada.

Hoje vale tudo. O marido disse que mandaria matar os inimigos na ponta da praia e foi eleito.

Depois, debochou dos mortos da pandemia, abriu as portas do Ministério da Saúde aos vampiros das vacinas, foi denunciado por lavagem de dinheiro na compra de imóveis, alardeou que sentiu um clima com uma criança de 14 anos, preparou um golpe fracassado e quase se reelegeu.

Michelle tenta puxar para o seu lado, com a rudeza da sua autenticidade, a base do inelegível. É com certeza uma das apostas como possível novo milagre da extrema direita. Quem debochar, como debocharam de Bolsonaro, pode se dar mal.

3 thoughts on “A ajudadora usa o deboche para se apresentar como protagonista

  1. caro Moisés, pude conhecê-lo faz pouco tempo. Foi admiração imediata. A lucidez em seus comentários salta aos olhos.
    Quanto à micheque, não deixo de pensar em Tarcísio: acredito que sujeito tudo fará, e tem maTADO muito pra isso, para substituir o genocida.
    Sou mineiro, mais uma vítima do zema, e não me parece que esse verme tenha envergadura para realizar grandes voos, pelo menos por enquanto. Desdenhar o nordeste foi fatal para o bozo, por que não seria para ele, não é mesmo!?
    Grande abraço

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