A bailarina de Auschwitz

Abrão Slavutzky

Psicanalista

Edith Eger tinha 16 anos quando foi enviada, em 1944, para o campo de concentração de Auschwitz. Um dos momentos inesquecíveis de sua vida no campo foi quando Josef Mengele, o médico nazista, conhecido como o Anjo da Morte, disse a ela: “Dance para mim”. Edith conta que ao dançar fechou os olhos imaginando a música de Tchaikovsky Romeu Julieta e que estava no Ópera House de Budapeste. O nome Auschwitz não será esquecido, sempre surgem novas histórias como essa da bailarina. Na verdade, o Holocausto não desaparecerá, foi a face mais cruel da condição humana. Aliás, o dia 27 de janeiro é o dia Internacional do Holocausto, dia para recordar o genocídio nazista contra os judeus.
Edith Eger emigrou em 1949 para os Estados Unidos, e depois estudou psicologia. Não tardou para decidir em trabalhar com pacientes pós-traumáticos em decorrência da violência. Hoje com 91 anos, segue atendendo em seu consultório e ainda dá conferências. Escreveu sobre como o sofrimento diante da violência pode levar à vitimização, à depressão, e a um sentimento de impotência. Já outros conseguem canalizar suas energias vitais para o presente, podem falar do passado e encontram saídas para viver. Logo associei sua vida e seu trabalho a leituras que tinha feito sobre a capacidade humana de enfrentar o terror. Alguns chamam essa capacidade de resiliência, como Boris Cyrulnik, outros de uma disposição a suportar privações e frustrações. Há também os que salientam a força pulsional vital aliada a identificações amorosas. São pessoas que desenvolveram a capacidade de estar só, e podem enfrentar situações perigosas. O psiquiatra Victor Frankl, que também foi prisioneiro em Auschwitz, escreveu em seu livro Em busca de sentido sobre como o humor e a parceria com um amigo foram indispensáveis para ele sobreviver. Também há relatos de presos políticos como Nelson Mandela e Pepe Mujica, que saíram da prisão e conquistaram lideranças mundiais. Comecei a me interessar pelo tema das pessoas capazes de viver situações traumáticas quando vivi em Buenos Aires. Li relatos de uruguaios e chilenos presos sob ditaduras militares. Alguns anos depois, li o livro Pedaços de morte no coração, de Flavio Koutzii, onde ele reflete sobre sua prisão política na Argentina. No Brasil temos muitas histórias ocorridas durante a ditadura militar. E bem antes ocorreu a pesada escravidão, expressão da crueldade da “Casa Grande”. Os negros reagiram com danças, cantos e a capoeira. O Brasil deveria ser sempre grato às negras e aos negros pela alegria e a leveza. Todas essas pessoas têm em comum com Edith Eger uma capacidade admirável de lutar pela vida.
Numa de suas entrevistas, Edith disse: “Na psicologia, estudamos sobre a hierarquia das necessidades. Não se pode falar de amor enquanto temos a barriga vazia”, disse com uma ligeira gargalhada. “Por isso, falávamos muito da comida. Salivávamos, trocávamos impressões sobre como fazer o goulash, o strudel, a challah.” Todos os pratos que a mãe de Edith fazia com tanta destreza eram um maná imaginário. Entretanto, não foi imaginária a seguinte história: um dia, em Auschwitz, Josef Mengele chamou Edith ao seu consultório. Quando ela entrou, ele foi afrouxando a gravata e pouco depois recebeu um chamado telefônico. A jovem bailarina, mesmo com medo, aproveitou para sair correndo em direção ao seu dormitório coletivo. Sua capacidade de luta se mantém hoje ao escrever: “Precisamos questionar a autoridade e não obedecer cegamente como ocorreu na Alemanha. Devemos nos opor aos que são contra o amor e a alegria. Não podemos desistir”. Admirável como uma mulher de 91 anos mantém o entusiasmo e nos alerta que não podemos desistir!

 

 

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