As CPIs que ajudam a enterrar a extrema direita

O Congresso viveu nessa terça-feira duas situações esdrúxulas em duas CPIs que se voltaram contra seus criadores.

Na CPI do Golpe, a extrema direita cercou um jornalista, o fotógrafo Adriano Machado, da Reuters, como se ele fosse um dos bandidos da invasão de Brasília no 8 de janeiro.

Na CPI do MST, o bolsonarismo cercou João Pedro Stédile e chegou ao ponto de afirmar, como fez Ricardo Salles, que os assentamentos e as ‘invasões’ dos sem-terra causam mais desmatamento na Amazônia do que grileiros e fazendeiros.

Esse é o resumo grotesco das CPIs. Um jornalista é convocado a depor e acusado de conluio com manés amadores e fascistas profissionais, e o líder dos sem-terra é apontado como cúmplice da destruição da floresta.

Os dois casos expõem a baixa qualidade da extrema direita. Qual a relevância das suspeitas de que um jornalista pode ter se articulado com invasores de Brasília? Comprometer o governo e os jornalistas, sugerindo que os fotografados dentro do Planalto eram infiltrados de esquerda?

Machado mostrou que foi, na verdade, perseguido e ameaçado pelos manés, mesmo depois da invasão. Mas a acusação era o que os bolsonaristas tinham para o momento.

À tarde, na CPI do Golpe, João Pedro Stédile deu uma aula de como um movimento social se organiza, e chegou a provocar Kim Kataguiri, depois de falar sobre a prevalência do sentido do coletivo, a divisão de tarefas, a disciplina, a obediência à maioria e a dedicação aos estudos:

“Vale para movimento de trabalhadores e vale para o movimento do Kim. Espero que o Kim esteja anotando”.

Era o contraste da sabedoria da vivência e do suporte teórico de Stédile contra a burrice prática do pior time de golpistas fracassados reunidos numa comissão.

E a pergunta que fica desses dois momentos é a que vai nos incomodar por um bom tempo em outras circunstâncias semelhantes.

O que um jornalista que fez seu trabalho no 8 de janeiro e o líder do mais importante movimento social do país fazem em duas CPIs, enquanto os chefes do golpe estão soltos?

Por que ouvir um fotógrafo e criminalizar seu trabalho, se os chefes dos manés e dos terroristas continuam impunes?

Por que ouvir um jornalista, se os grandes financiadores do golpe ainda estão escondidos e alguns chegaram a pedir trégua ao governo e à Justiça?

Machado e Stédile não entraram nas provocações, mas fica a sensação ruim de que o bolsonarismo ainda tenta espernear com certa desenvoltura, mesmo que esteja quase morto.

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CORDIALIDADES
Uma surpresa na sessão da CPI do MST. Ricardo Salles, consagrado como o maior inimigo do MST hoje, disse que dois advogados de João Pedro Stédile eram também seus advogados.

No fim da reunião, o líder dos sem-terra, que tinha ao seu lado um dos advogados, Roberto Podval (na foto acima), saiu-se com essa:

“Só espero que o Roberto não perca a causa do Salles”.

A sala foi tomada pelas risadas. As especulações sobre a possível prisão de Stédile durante o depoimento foram derrubadas pelo surpreendente clima de cordialidade no encerramento.

O líder do MST elogiou a forma republicana com que o coronel Zucco, presidente da CPI, conduziu o interrogatório, e no fim os dois trocaram um logo aperto de mão.

Stédile deu um show de política e até de diplomacia, sem deixar de ser assertivo na defesa das suas posições. Mas essas cordialidades vão durar quanto tempo?

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