Nuvens tempestuosas

Amilton Bueno de Carvalho*

Meu querido amigo advogado que atua no crime: quero te abraçar carinhosamente neste dia e em tua homenagem republico o texto abaixo:

“Ouso neste dia dizer-te o que eu penso (sei sim, “grande coisa” o que eu penso). Mas, quero expressar minha admiração por ti nestes tempos sombrios – as viúvas da não-liberdade estão soltas e agressivas.

Tenho andado por muitas escolas de legalidade pelo país e a constatação sempre me assustou: a grande maioria dos estudantes pretende realizar concurso público – ou seja, se preparam para fazer parte da burocracia estatal, destinam seu saber a um horizonte: serem obedientes ao poder, seja qual for o poder.

Hoje me ficou claro que isso está correto, assim é e assim deve ser: a advocacia criminal não é para qualquer, a burocracia sim!

Tanto que isso é verdade que não sou advogado – muitos queridos amigos me convidam para advogar, mas tenho recusado (sequer revalidei minha inscrição na OAB). Advocacia criminal não é para qualquer um…

Mas para quem é a advocacia criminal? Entre tantos olhares possíveis, entre tantas verdades possíveis, tenho insistentemente dito que o advogado criminal (aqui, por óbvio, está presente o defensor público criminal), é o defensor do “um” contra “todos” – aquele que ousa defender o perseguido, seja ele quem for, seja qual o crime cometido.

E por ousar estar na defesa do um contra todos acaba por sofrer agressivo preconceito: ora, já se viu, alguém se atrever a defender “esse ser repelente” que representa o “mal” contra nós os “bons” (lembro Nietzsche: o dia que conheci o homem bom, tive asco da humanidade).

O advogado criminal só tem significado se for um agressivo, altaneiro, correto, honesto, digno defensor do “um” contra os abusos do poder. Nós, anarquistas, sabemos que não existe o bom poder, que é da sua essência ser abusivo, arrogante, repelente, asqueroso, destruidor do outro que lhe é diferente, pretenso dono da verdade, que todo o poder é de direita (Marcelo Semer).

Nietzsche alerta sobre o poder: “Respeito e obediência à autoridade, mesmo à autoridade torta! Assim pede o bom sono. Que fazer, se o poder gosta de caminhar sobre pernas tortas” (Assim Falou Zaratustra, “das cátedras da virtude”).

O defensor criminal tem o dever de enfrentar a autoridade torta, não pode ter o bom sono, deve lutar para endireitar as pernas tortas do poder: ser contrapoder (Daniel Lozoya).

Talvez isso explique porque o poder doente odeia o advogado-defensor criminal, quer desacreditá-lo, incriminá-lo, reduzir suas garantias. Talvez isso explique minha admiração por ele.

Tempos sombrios vivemos, mas retomo Nietzsche neste dia:
“Há aqui nuvens tempestuosas: mas será que essa é uma razão para que nós, espíritos livres, engraçados e arejados, não devamos nos desejar um bom dia?” (Fragmentos Póstumos, 1885-1887, 10(162).”

*Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado/RS.

 

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