A CRÔNICA DISTÓPICA DE DOMINGO

A verdadeira história da minuta

Chamaram Carluxo para escrever a minuta. Estavam todos os ministros do núcleo duro e parte do núcleo meio mole ao redor de Bolsonaro.

– Mas o que é uma minuta? – quis saber Carluxo.

– É o resumo do decreto do golpe que vamos dar depois que o Lula assumir – disse Bolsonaro.

Carluxo saiu da sala e voltou em 10 minutos com a minuta. Leu em voz alta:

– Em nome das quatro linhas da Constituição, fica decretado que eu, como chefe Supremo das Forças Armadas, ordeno um golpe militar ad infinitum, para o bem da nação e da família.

Os ministros se olharam, e os militares se olharam mais do que os civis.

– Só isso? – quis saber Paulo Guedes.

– É um resumo – retrucou Carluxo.

E o filho explicou que nunca escreveu nada com mais de cinco linhas. Que um golpe não precisa de muita explicação.

Havia um jurista das antigas na sala, do tempo do AI-5, que pediu para não ser citado.

O jurista soletrou que assim deveria ser o começo do decreto:

– Fica decretado, de inopino, o golpe em defesa da democracia, no que pertine ao exposto abaixo.

Gostaram, e a minuta foi ditada ali mesmo a uma secretária, sem muitas delongas, porque uma minuta é coisa rápida.

Feita a minuta, Bolsonaro lançou a dúvida:

– E quem vai ficar com a minuta, enquanto eu estiver em Orlando e a polícia do Ibaneis invadir Brasília?

Ninguém queria ficar. Um porque entraria em férias, outro porque não tinha cofre, outro porque não sabia como conservar uma minuta em casa.

Bolsonaro disse que deveriam telefonar para uns manés de confiança. Ligaram dali, mas todos os manés disseram que estavam fora da jogada.

Três disseram que já estavam até com o Lula, porque aquilo não daria certo.

E a minuta ficou sobre a mesa. Até Carluxo disse que seria uma bucha ficar com aquilo em casa.

– Por que não colocamos num pen drive? – perguntou Ciro Nogueira, com ar de sabido.

Carluxo saiu atrás de um pen drive. Voltou esbaforido. Ninguém mais tinha pen drive no palácio.

– Tem até um mimeógrafo na sala do Heleno, mas não tem pen drive.

Bolsonaro esbravejou:

– Se vamos vencer, por que o medo de vocês? O Barroso tem razão: são uns manés.

Os presentes ajeitaram-se na cadeira, mas não reagiram. Foi quando Eduardo disse que poderia levar a minuta para a casa de uma tia em Rio das Pedras.

– Isso não pode sair do grupo, de jeito nenhum – disse um general.

E se o Fabrício Queiroz, que é homem de confiança, guardasse a minuta? E se pedissem emprestado um cofre das Americanas?

Foi quando Bolsonaro teve a eureca, lembrou de um nome e telefonou apressado:

– Vem aqui na minha sala agora.

Logo depois, Anderson Torres entrou no gabinete, com seu jeitão prestativo, e perguntou:

– Problema com o Moro de novo?

Bolsonaro explicou:

– Nada disso daí. Pega esse papel e guarda em casa.

O delegado pegou e, antes de sair, ainda teve uma dúvida:

– Precisa guardar bem?

– Guarda numa panela na cozinha – disse Bolsonaro.

O delegado bateu a porta e os núcleos duro e meio mole caíram na gargalhada.

(Texto distópico publicado no jornal Grifo, com link logo abaixo. A ilustração é do Santiago)
https://drive.google.com/file/d/1QRBv0IINtWsUXdY7ZDAcQ6fKment5AMm/view?fbclid=IwAR3lKGd-MGAYYgZkLJ3DOHSYu-G1Y3RE-JgM6SuOKtfe1M6q6LUu6vfqGC8

4 thoughts on “A CRÔNICA DISTÓPICA DE DOMINGO

  1. Encontrei o texto no Diário do Centro do Mundo e adorei. A forma como ESCARNECE a canalha golpista sem poupar a catropilha militar e o “GÊnio” da estratégia, proclamado por uns da esquerda, carluxo. Mais textos assim!

  2. Só não se pode dizer que não é distopia, porque (ainda) não temos áudio/vídeo das reuniões…
    Agora, mimeógrafo na sala do Heleno foi a melhor parte! Ri muito!

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