ALCKMIN ATIÇA DÚVIDAS QUE O PT TRATA COMO CERTEZAS

Os mais refratários precisam pensar na utilidade da notícia ou boato ou pegadinha sobre a aproximação de Lula com Alckmin. O ex-tucano talvez acabe voando para ninhos distantes, mas a especulação servirá para alguma coisa agora e mais adiante.

Para começar, Alckmin parece um corpo estranho demais, porque muitos disseram e ainda insistem que Lula deveria estruturar seu retorno na radicalização de posições à esquerda.

O Lula que completa dois anos de liberdade também indicou em algum momento que poderia andar nessa direção até 2022.

Mas a empolgação, logo depois do fim do cárcere político, foi depois tropeçando no que há pela frente. Lula tropeça e pula sobre o que já conhece e domina.

E assim vai calibrando movimentos, ação e retórica, porque não pode falar e agir para sempre com a entonação do ex-preso político da Lava-Jato que acabou de sair da cadeia.

Vão dizer, aparentemente como posição majoritária ou pelo menos a mais estridente, que o PT talvez não radicalize posições à esquerda, porque essa era uma fala da emoção. Mas que não dá para aceitar um ex-tucano como vice de Lula.

Nem Alckmin? Dilma Rousseff disse, logo depois do golpe de 2016, apoiado por Alckmin, que com ele era possível conversar.

Dizer hoje, como dado desqualificador, que Alckmin é militante da Opus Dei é até atenuante diante das figuras terrivelmente religiosas que prosperam na extrema direita do bolsonarismo.

A questão política das imagens, que considera o desgaste dos vínculos com um ex-inimigo, é enfeite para os dilemas práticos.

Governar com o centrão, como o PT governou até ser golpeado, é uma coisa. Governar com gente que ainda tem a alma tucana seria outra. Mas outra o quê?

O pioneiro da ideia de que seria possível criar convergências, para um projeto compartilhado de poder entre petistas e tucanos, foi Renato Jeanine Ribeiro.

Isso foi há muito tempo, quando Bolsonaro nem fantasma era e o tio de extrema direita não existia na nossa família, só nas famílias dos outros.

A ideia fazia pensar que o PT e a ala de centro ou menos reacionária do PSDB não precisavam ficar duelando durante um século a cada quatro anos.

Era só pegar os melhores líderes, quadros e bases do PSDB, juntar com o PT, ganhar a eleição e sair governando, com Fernando Henrique, Covas, Serra e quem mais?

Parecia ingênuo, mas hoje parece que não era. Tanto que, por cansaço, depois de quatro derrotas, foi Aécio quem desencadeou o golpe. A polarização PT-PSDB havia perdido funcionalidade e a ruptura acabaria gerando Bolsonaro.

Parte relevante do PT talvez olhe hoje para Alckmin como muitos do partido observam os que consideram inautênticos. Para uma certa turma que cultua ancestralidades, quem não nasceu dentro do PT deve ser visto com desconfiança.

Mas Alckmin não vai se filiar ao PT, os tucanos refugiados que estiverem com ele no governo também não, e a vida seguirá em frente como seguia com a direita da coalizão que, no auge da crise do mensalão, expulsou Olívio Dutra do Ministério das Cidades.

Só que agora Alckmin seria o vice, e aí o tamanho do risco é enorme, como foi com Michel Temer. E Alckmin tem, pela repetição de governos, o vício do gestor.

É até divertido ficar divagando sobre, entre outras coisas, a tarefa a ser dada a Alckmin, que poderia cuidar só das demandas de São Paulo. Mas aí ele, e não o PT, seria fortalecido onde o PT é fraco há muito tempo?

Tem gente sóbria tomando porres de suposições com a provocação sobre o ex-tucano que pode virar vice de Lula. Um dos porres preferidos é uma coisa bobinha sobre o que o centro representa na política.

O centro, que não é o centrão, existe para estar no meio, como diria o conselheiro Acácio. Sem o centro, não teria acontecido a redemocratização.

Sem a sustentação do centro, é quase impossível governar com alguma efetividade e segurança numa democracia.

No fim, depois de muito esperneio, sairá a decisão sobre as vantagens de ter Alckmin de vice. Claro que o debate será apenas um debate, porque Lula é quem vai decidir.

Lula poderá dizer que o centro hoje está dentro do PT como nunca esteve. Se não for com Alckmin de vice, será com alguém que faça esse papel.

E aí teremos outro debate, que é o que o PT mais precisa fazer para não perder o treino de lidar com dúvidas que o partido trata às vezes como certezas.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Website Protected by Spam Master


8 + 3 =