É A CLASSE MÉDIA, COMPANHEIRO

Parentes bolsonaristas causam mais constrangimento do que assombro em famílias de esquerda. Não há como esquecer que muitos deles guardavam bandeira do PT num canto do quarto nos anos 80 e 90.

Esses parentes que seguiram outros rumos participaram depois das caminhadas convocadas pela Globo contra Dilma. E muitos se transformariam mais tarde em pregadores do bolsonarismo e participantes de grupos de tios e tias do zap.

São a face da classe média desolada, desorientada, dispersa, ressentida e mal-amada pelas esquerdas que chegaram ao poder.

As esquerdas que não vinham conseguindo entrar nas casas das periferias, ocupadas pela presença ostensiva de pastores neopentecostais, também não entram há muito tempo nas casas da classe média.

Mas fingem que entram, para preservar como ilusão as suas origens nas áreas habitadas por gente que desfrutava de estabilidade e uma vida confortável.

Meio que se esfumaçaram as origens obreiras de fábricas e do sindicalismo, mas também dos DCEs, dos professores, arquitetos, advogados, engenheiros, pequenos empresários, jornalistas, médicos, servidores públicos.

O PT perdeu pedaços consideráveis desses contingentes muito antes de 2013, quando as dissidências saíram às ruas de braços dados com anarquistas e black blocs, e quando logo depois a Globo e a grande imprensa se apropriaram das manifestações e conseguiram derrubar Dilma, três anos mais tarde.

A classe média levou o PT ao poder com Lula em 2002. O que ainda se define como povo só caminhou atrás e depois ao lado de quem tinha a virtude de abrir as picadas.

Tudo isso está contado em qualquer manual sobre o lulismo. Lula é um fenômeno de massa, que chega ao poder na terceira tentativa, por ser também uma criatura política gerada pelos sentimentos da classe média.

O sindicalismo é sua raiz e seu tronco, mas galhos, folhas, flores, polens e antenas são resultado das vontades da classe média nas mais variadas frentes.

O que acontece a partir de 2013 e que se reafirma depois em 2016 com o golpe contra Dilma e se consolida em 2018 com a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro só existe porque a classe média foi ativa em seu reacionarismo, ou foi omissa ou foi blasé e falou ao espelho: me-deixa-fora-disso.

É disso que será preciso falar no terceiro governo de Lula. A classe média, prensada entre a ascensão dos pobres e as fortalezas intocáveis dos ricos no lulismo, perdeu renda, poder político e sonhos.

A tabela criminosa do Imposto de Renda, os ‘ganhos’ negativos do FGTS, o desprezo das políticas ditas sociais e todas as inações de governo são a parte visível dos danos que empurraram ex-petistas para a desilusão e até para o bolsonarismo.

A velha classe média de esquerda cansou, envelheceu, empobreceu e viu filhos e netos se dispersarem e virarem outra classe média, enquanto o filho da empregada estudava medicina.

O cenário mudou e o PT deixou de ser ou desistiu de continuar sendo a mais poderosa das forças mobilizadoras de projetos individuais e coletivos da classe média progressista pós-ditadura.

Como devolver o sentido de perspectiva a esse pessoal sem descuidar da urgência do socorro a pobres e miseráveis?

É para dar a resposta que Lula foi eleito, porque até Bolsonaro, no desespero, sabia como inventar um Auxílio Brasil. A pronta resposta dos cuidados emergenciais dirigidos aos pobres não tem muita complexidade.

Mas o auxílio para a classe média terá que envolver mais do que resultado financeiro ou econômico imediato, porque nem auxílio é o que a classe média pede.

A classe média que não consegue mais pagar escola e plano de saúde quer conversar de novo, como mostrou na eleição do ano passado. Mesmo que parte significativa tenha debandado e assimilado a índole bolsonarista como irreversível.

A classe média com baixa autoestima não tem, há mais de 10 anos, nem mesmo um centro para se agarrar. Lula terá de se esforçar para que se agarre de novo ao seu projeto para o país.

7 thoughts on “É A CLASSE MÉDIA, COMPANHEIRO

  1. Tenho caso na família, de classe média endividada, mas que sempre foi anti lula, desde os tempos de sindicalista. será esse um ponto fora da curva ou não?

  2. Eu sempre comento com amigos que se o Lula não melhorar a vida da classe média, acabou o Lulismo e acabando ele, leva junto todo o PT. Fazer discurso de taxar os ricos e dar aos pobres é bom, bonito, necessário e urgente, mas se ele for colocar tudo na conta da classe média, não vai durar muito, infelizmente.. Ele tem que urgentemente ajustar a tabela do IR, mexer na taxa de juros, abrir linhas de crédito especiais e melhorar salário médio investindo em infraestrutura e polos de tecnologia (deixa o agro como está foi o setor mais beneficiado dos últimos 50 anos, já pode andar sozinho sem benesses de governos ou é incompetente demais para sobreviver). tudo isto enquanto investe pesado em educação em todos os níveis e regulação de mídia (de forma justa, sem ter sequer nenhum cheirinho de censura).

  3. A classe média que você se refere apoiou o PT a partir dos anos 80, era o fim da ditadura e crise econômica, ela era pequena e jovem estavam com a corda no pescoço. A classe média que está aí hoje fez outras apostas, que ela era melhor que os pobres e não dependia de ajuda do governo, grande parte saiu da igreja católica e se tornou evangélica, são hipócritas nos costumes, passaram a gostar de armas , resumindo essa classe média é uma cópia da classe média norte americana( vão sempre a Disney agora ficou um pouco difícil) se acha internacional e globalista . Diante de todas essas mudanças graças a Deus que viraram anti petistas eu não quero conviver com essa gente !

  4. “Até o Bolsonaro” inventou um auxílio. Quando eu digo que há uma lista de fascistas e neoliberais muito piores do que o Bolsonaro, meu interlocutor me olha torto e acha que estou defendendo o “coiso”. Nesta lista, estão os que não teriam dado o auxílio emergencial nem o Auxílio Brasil (mesmo para tentar ganhar eleição). É gente que não odeia apenas o PT, odeia qualquer tipo de pobre, principalmente os que precisam de alguma ajuda para sobreviver. São eles:

    Zema
    Dória
    Luiz Felipe D’Ávila
    Mourão
    Eduardo Leite
    Kim Kataguiri
    Paulo Guedes
    Sérgio Moro

    Se um dia algum deles conseguirem chegar ao Palácio do Planalto, as pessoas vão achar que o Bolsonaro era um social-democrata.

  5. A classe média que abandonou o PT é a que foi capturada pelo discurso lavajatista do marreco de Maringá e seus asseclas e em seguida LAÇADa pelo rei das rachadinhas .
    Com A vazajato muitos não quiseram recuar e permaneceram na extrema-direita.
    Talvez com A melhora da economia parte dos eleitores volte.
    Quem elegeu o Lula em 2022 foi na maioria o povo pobre desassistido pela política dos neoliberais.
    O trabalho nos próximos 4 ANOS será árduo.
    Torço para que tudo saia bem.

  6. Moisés, ACHei seu texto brilhante e, claro, oportuno. Roberto Campos sabia disso PERFEITAMENTE – os progressistas, PT à frente, é que parecem ter dificuldades de entender o valor do que Campos referência a como “alavanca mento psicossocial por meio de ações – Símbolo pois, afinal, uma das funções de governo por ele estudadas ERa exatamente a de criar símbolos. Para ele, jk foi o maior nesse quesito, apesar de ele negar a importância de Brasília. Olé, né?
    Na minha modesta opinião, a Dilma NÃO cairia se tivesse feito o trem-bala, um símbolo e tanto para a classe média, NÃO?
    Mas ela errou, a meu ver, no local ena dose inicial: NÃO devia ter ficado nas províncias e, sim, ter partido de Brasília (rumo à Goiânia mesmo, pra começar. Aí, creio, que ele NÃO teria caído, sim!

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