KISS, MARIANA, BRUMADINHO

Estou lendo reportagens sobre os seis anos da tragédia na Boate Kiss. Algumas me devolvem à tarde que passei dentro do Hospital de Caridade de Santa Maria.

Tentava acompanhar pais e irmãos em busca de notícias dos jovens que estavam com seus nomes nas listas de entrada. Mas muitos dos procurados não apareciam em quarto nenhum, em nenhuma ala. Haviam sumido.

Eu sabia, todos sabiam, mas os parentes negavam a si mesmos que os nomes nas listas poderiam ser aquilo mesmo, apenas nomes nas listas afixadas nas paredes do hospital.

Os jovens procurados não apareciam em lugar nenhum porque seus corpos já haviam sido encaminhados dali para um ginásio de esportes. Estavam mortos. Eram nomes em listas. Mas as famílias resistiam a ir ao ginásio.

As buscas, até o fim, deveriam ser ali onde seus filhos e seus irmãos não estavam mais. O autoengano de quem andava de um lado pra outro dentro do hospital prolongava a vida dos que já haviam morrido. Ninguém queria ir ao ginásio.

Nunca mais fiz nada como repórter. Foi o maior e mais longo abalo emocional que enfrentei como jornalista.

Leio agora as reportagens e não há como evitar as conexões óbvias entre a Kiss, Brumadinho, Mariana e outras tragédias semelhantes.

O capitalismo brasileiro deve ser um dos mais infames, mais cruéis e mais criminosos. E assim vai prosperando, em grandes e pequenos negócios.

E será ainda mais criminoso e impune no ambiente propício criado pelos homens que chegaram ao poder como amigos do que existe de pior nesse mundo que eles dizem representar. E como amigos de milicianos.

Com a destruição de direitos trabalhistas e do meio ambiente, com os ataques às conquistas sociais, com a criminalização das resistências e com a cumplicidade de um Judiciário acovardado, o capitalismo brasileiro da era bolsonarista pode estar descendo às profundezas mais imundas do que sempre buscou para si.

Brumadinho não é o fim, não é o último estágio. A exploração a qualquer custo avança com a extrema direita em direção a algo ainda mais profundo.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Website Protected by Spam Master


2 + 3 =