Lula, Janja, o déficit zero e o alto superávit de machos gananciosos
Sumiu e deve estar bem escondido sob algum tapete o texto publicado pela Folha na sexta-feira à noite, que equivale a um dedo apontado para Janja: foi ela quem levou Lula a falar que o governo não precisa de déficit zero.
A Folha editou um trecho do vídeo em que, encerrada a entrevista coletiva, Janja diz alguma coisa a Lula e o presidente retoma a conversa para defender que um déficit de 0,5% ou 0,25% não quer dizer nada.
A Folha fez analogia com o futebol para dizer que, já na prorrogação, Janja chamou Lula de novo para o jogo. O texto em que Janja é identificada como a origem da fala e do alvoroço sobre a fala de Lula estava na capa da Folha e sumiu.
Há muito tempo há desconforto explicitado com o protagonismo de Janja no governo. A notícia escondida é um recuo na exposição desse constrangimento, talvez por ter sido identificada como barbeiragem.
No impulso, depois da coletiva, o texto cumpriu seu objetivo. O jornal deve ter pensando que, se for para atacar o que consideram falta de compromisso de Lula com o déficit zero, que coloquem Janja no combo.
Valeu como uma pergunta: quem ela pensa que é para cutucar Lula sobre déficit zero? E Lula disse: se não for déficit zero, por causa de um zero e uma vírgula, como 0,5%, não será o fim do mundo. O governo não vai parar obras por causa de 0,25%.
O resto já sabemos. A Globo, a Folha, o Estadão, o mercado, os grileiros e os milicianos entraram em alvoroço. Provocado, segundo a Folha, por Janja. Se ela não estivesse ao lado de Lula, o assunto não teria sido lembrado e não teríamos tanta confusão.
Janja causa desconforto entre machos e mulheres do jornalismo. Segunda-feira, no Roda Viva, a jornalista Jussara Soares, analista de política da CNN, perguntou ao ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação:
– A primeira dama é uma questão para o governo federal? Não quero usar essa
expressão, mas é um problema, virou um problema para se administrar?
Pimenta disse que Janja tem luz e opiniões próprias. Tem capacidade de reflexão e protagonismo no governo por se comunicar bem. E alertou para o fato de que “estamos em 2023, quando se fala tanto no papel e no empoderamento das mulheres”.
A entrevistadora insistiu, como se quisesse se desfazer de uma pergunta que pode ter trazido na bolsa: mas Janja deve ter uma agenda própria?
Sim, pode, deve e tem, disse Pimenta. É assim no mundo todo. O ministro poderia ter dito que a primeira dama de Sorocaba tem agenda própria. Elas têm agendas em Londres, Washington, Cacequi, Ribeirão Preto.
Ninguém das milícias das facções da mídia perguntaria se Ruth Cardoso deveria ter agenda própria ao lado de Fernando Henrique Cardoso. E Ruth era socióloga. Janja é socióloga. Ninguém perguntaria se um macho do governo Lula é um problema pelas posições que defende.
No texto sobre a coletiva, a Folha poderia ter publicado que Lula apenas disse o que pensa, mesmo que tal posição não seja consenso no governo.
O que Janja fez ao final da conversa com os jornalistas foi isso: fala aí o que você iria falar e estava esquecendo.
Janja apenas o lembrou do que deveria ser dito: que haverá dinheiro para obras e para projetos sociais, porque um déficit 0,5% não pode sacrificar prioridades do governo.
Janja cutucou Lula para que falasse, como falou do “mercado ganancioso demais”. E que entre esse mercado e o povo, ele ficará com o povo, enfrentando os custos que terá de pagar.
Foi só isso. Mas o superávit de machos inseguros do mercado não pode aceitar nem mesmo um déficit de 0,1%. O machismo rentista incomodado com Janja será sempre superavitário.