No impasse do presidencialismo de coalizão, a ciência política de capitulação de Sérgio Abranches

Sérgio Abranches, o sociólogo e cientista político que criou a definição do que seria o nosso presidencialismo de coalizão, analisa em artigo na Folha as complicadas relações de Lula com o Congresso.

Fala do que todo mundo sabe, da quase extinção do velho centro, do crescimento da extrema direita e da mudança da índole da direita.

E conclui que Lula, sem base segura, é o errado por não entender essas transformações.

Lula não compreendeu o novo poder do Congresso, em especial da Câmara, e por isso nada dá certo no equilíbrio de poder com o parlamento.

Leiam o que o sociólogo escreve sobre a pressão do Congresso:

“A estrutura de preferências dos parlamentares na busca de recursos e cargos mudou e ficou mais exigente”.

Prestem atenção nos eufemismos. “Estrutura de preferências” quer dizer o quê? Os parlamentares ficaram “mais exigentes”. O que significa mais exigentes?

É um jeito delicado, com certa candura, que não mexe com os humores de direita e extrema direita, de dizer que o poder de chantagem da Câmara, a qualquer custo, foi ampliado e deformado. Mas seria normal.

A sabotagem ao governo, que impõe a cobrança de apoios não com cargos, mas com dinheiro na veia, como já definiu a jornalista Helena Chagas, seria assim mesmo.

Não há em nenhum momento, apesar de sugerir de passagem uma crítica leve, nenhuma observação sobre a anormalidade dessa relação e de como tudo isso configura uma atrofia nunca antes observada na interlocução Executivo-Legislativo.

Sabe-se que é muito mais do que o toma-lá-dá-cá. Mas Abranches trata as chantagens da Câmara como parte da natureza da política e normaliza os chantagistas do cangaço liderado por Arthur Lira.

O resumo do longo texto pode ser este: Lula é incapaz de compreender o tamanho das gangues da força parlamentar disforme da direita em seu terceiro mandato.

É Lula quem teria de entender e ceder a esse novo formato do espírito da direita, para que o governo sobreviva.

Abranches deixa uma fresta de otimismo:

“O realinhamento partidário e a recomposição do eixo de disputa presidencial produziriam novo equilíbrio dinâmico, reduzindo os riscos para a governabilidade, no médio prazo”.

A preocupação é com a governabilidade, o que deveria supor preocupação bem mais ampla com a democracia, uma palavra que não aparece no texto.

O foco é Lula, esse momento, esse governo, e que Lula se salve se puder. Não é a ameaça a uma ideia e a um projeto que venceram a eleição e passam a ser sabotados de forma permanente.

O artigo insinua que, sob a pressão da Câmara por dinheiro, Lula teria virado quase um analfabeto político. O jogo mudou e o presidente não sabe mais jogar.

Não se trata aqui de esperar uma análise moralista da ética do centrão, mas da compreensão do tamanho dessa anormalidade e do que isso representa como possiblidade de destruição de um projeto vitorioso na eleição.

Abranches escreveu, no impasse do presidencialismo de coalizão, uma análise baseada na ciência política de capitulação.

One thought on “No impasse do presidencialismo de coalizão, a ciência política de capitulação de Sérgio Abranches

  1. O Lira falou duro com o presidente Lula na semana passada, dizendo que apenas 5 parlamentares foram recebidos no Palácio do Planalto enquanto Lula já tinha visto mais de 20 chefes de Estado. Alguns deputados, só alguns, do baixo clero, queriam apenas fotos para postar nas redes sociais – não era nada de dinheiro ou cargo.

    Que Lira é chantagista é evidente, mas a relação de Lula com o Congresso tem dois problemas reais: o primeiro é o Padilha, que não é o José Dirceu, não sabe fazer articulação política (quem faz o que ele deveria fazer e é elogiado por Lira é o José Guimarães); o segundo problema é a Janja, que controla a agenda de Lula e escolhe quem vai falar com ele e determina o tempo da conversa.

    Em relação aos cargos exigidos, é arriscado dar o que a turma do Centrão quer, mas também não significa que haverá escândalos de corrupção necessariamente só porque o sujeito é do Centrão. Aí o Lula teria que arriscar. O duro é arriscar, a corrupção rolar solta e o Joaquim Barbosa começar a falar em “mensalão” no Twitter.

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