O melhor pão do mundo

Quem quiser testar a afirmação desta senhora, pode conferir o que ela diz indo até a Feira Ecológica dos sábados ali na José Bonifácio, na área do Brique da Redenção.

Às vezes, ela está lá na barraca do Pão da Terra, bem em frente à Confeitaria Maomé. Se não estiver por perto, alguém estará vendendo os pães que ela e outras senhoras fazem no assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul. Procure pela Marinês Riva.

Numa tarde dessas, Marinês recebeu no assentamento um grupo de gente da cidade interessada em saber da história e da lida dos que brigaram e conseguiram um pedaço de terra. E contou então a façanha que dá fama ao pão.

Lembrou que, quando chegaram ao lugar onde moram, há quase 20 anos (depois de cinco anos debaixo de uma barracada de lona como acampados), havia apenas um pé de eucalipto. O solo era um banhado que os colonos oriundos de chão de terra vermelha não decifravam.

As vacas de leite distribuídas pelo governo definhavam, porque não comiam o pasto, só sabiam comer ração. A mosquitama era insuportável. Mas os homens e as mulheres do assentamento perseveraram.

Cumpriu-se então o compromisso que Marinês havia assumido com as amigas:

– Quando conquistamos a nossa terra, nós prometemos que faríamos o melhor pão do mundo.

E foram tentando, até que conseguiram. Não fizeram um pão gostoso ou diferente, fizeram o melhor pão do mundo. Puro ou com todas as misturas de farinhas, com nozes, com amêndoas, com tâmaras.

O assentamento onde Marinês mora, planta, tira leite e faz pães deveria ser visitado também pelos que depreciam a luta por um pedaço de terra.

Um dia desses, os visitantes eram juízes, promotores, procuradores. Um juiz pode ir a Nova York, se quiser fazer média com a direita mundial, como pode ir a Roma, a Brasília ou a Davos confraternizar com o marketing do liberalismo.

Os magistrados integrados na Associação Juízes para a Democracia (AJD) preferem programas mais singelos, como visitar acampamentos do MST e assentamentos, em Charqueadas e Eldorado. São juízes que não temem e não criminalizam os movimentos sociais.

Os juízes da AJD aproximam o Judiciário das grandes questões do humanismo, indo onde se manifestam. Parece barbada, mas não é pra qualquer um, nesses tempos de desgaste das instituições. A AJD tem a simpatia de membro do Ministério Público, que adotam a mesma conduta.

Gosto deste trecho de um texto do site da AJD: “Não basta que o juiz bem conheça a lei. Tem que dar ao Direito o sentido de uma prática social rumo à utopia de uma sociedade justa que, como advertiu Cornelius Castoriadis, não é aquela que adotou leis justas para sempre e sim aquela em que a questão da Justiça permaneça constantemente aberta”.

Pois eu estive com os sem-terra e com os que já têm um pedacinho de terra na companhia desse grupo disposto a ajudar a construir um Judiciário que não se limite a defender apenas quem tem poder e dinheiro, a convite dos juízes Roberto Arriada Lorea (coordenador da AJD no Estado) e Luís Christiano Enger Aires.

Comemos salada sem agrotóxicos, arroz, feijão e carne de panela embaixo das árvores, ao lado dos acampados do MST em Charqueadas. E depois, em Eldorado, experimentamos o melhor pão do mundo. Outros juízes deveriam experimentar esse pão.

One thought on “O melhor pão do mundo

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Website Protected by Spam Master


8 + 9 =