OS LATINOS E NÓS

O poder deve voltar para o Rio de Janeiro

Estive duas vezes em Buenos Aires quando a Argentina quebrou depois do período da farsa da dolarização neoliberal. Fui em 2001, pela Zero Hora, quando o governo de Fernando de La Rúa impôs o Corralito (bloqueio de dinheiro depositado em bancos), e testemunhei cenas fortes.

Todos os dias havia algum tipo de manifestação. Um dia, um grupo conseguiu entrar numa pequena agência bancária no centro histórico e eu entrei atrás. Começaram a destruir tudo que estava sobre as mesas.

A repressão dos seguranças do banco foi acionada e muita gente conseguiu fugir passando por debaixo das cortinas de ferro, que estavam abaixadas até a metade.

Mas não consegui sair a tempo e as cortinas foram totalmente fechadas. Vivi segundos de pavor. Não sei como não fui confundido com os manifestantes, que foram encurralados em um canto e depois expulsos do banco. Saí ileso.

Eram tempos de ações violentas. Os argentinos enfurecidos, principalmente idosos (eram raros os jovens), saíam com barras de ferro e até martelos e batiam nas fachadas dos bancos. O surpreendente é que, naqueles dias, a polícia acompanhava de longe e não reprimia.

Voltei em 2002, com meu amigo fotógrafo Fernando Gomes, e percorremos alguma das grandes cidades argentinas. O país estava na miséria. Mas preservava o que eles nunca perdem: a capacidade de resistir.

Relembro esses dois momentos porque os argentinos foram para as ruas de novo hoje contra os pacotes que mexem com aposentadorias e leis trabalhistas.

O modelo de desmonte das conquistas sociais e de privatização da previdência, da saúde e da educação vale para toda a América Latina e será aplicado agora de novo no Chile, onde a direita venceu a eleição com Sebastián Piñera. Mas tanto na Argentina quanto no Chile as esquerdas têm uma capacidade de reação que as diferencia.

Fora todas as outras complexas questões envolvidas (domínio espanhol X domínio português) e dos riscos das comparações, eu defendo que o Brasil nunca terá nada parecido com o vigor cívico dos vizinhos latinos enquanto o centro do poder estiver em Brasília.

Em todas as capitais, em Buenos Aires, Montevidéu, Santiago do Chile, em Lima ou em Assunção, o Congresso e o governo estão ao alcance dos cidadãos. É só dar alguns passos e participar à tarde do protesto convocado pela manhã.

Brasília, apartada do resto do país, virou uma ilha tomada por golpistas. O comunista Niemeyer participou, como arquiteto dos principais prédios da cidade (Lucio Costa é o grande idealizador do desenho do poder esparramado), de um plano que só iria favorecer a direita.

Não haverá democracia no Brasil enquanto o poder estiver em Brasília. Sabe-se disso desde o golpe de 64. O poder deve voltar para o Rio. Logo.

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