Este texto foi publicado orginalmente na revista Parêntese.

SEBÁSTIAN

A direção da empresa, com maioria de homens e quase todos da geração analógica, decidiu que os funcionários deveriam retornar ao trabalho presencial. Todos, sem exceção.

Era uma onda mundial, inclusive nas big techs, e havia chegado a Cachoeirinha. Aquele futuro de trabalho remoto, que os videntes pagos com milhões anunciaram na pandemia, havia se evaporado.

O trabalho remoto comprometia a interação pessoal, o fortalecimento da cultura da empresa e até os afetos e os amores. Em quatro anos, ninguém havia casado na firma por namoro surgido entre colegas.

Saiu então o comunicado de retorno obrigatório, que atingia 32% dos funcionários. Muitos reclamaram, alguns decidiram ir embora e um resistiu.

Um funcionário da área de recrutamento. Não iria voltar e pronto. Tentaram convencê-lo de que era importante para a equipe, mas ele dizia que não.

Até que um dia alguém desconfiou que o funcionário se comportava de forma estranha. Uma investigação descobriu que se tratava de um robô criado pela inteligência artificial.

Chamava-se João Francisco Sebástian. Não só anunciava que não iria se apresentar, como passou a fazer ameaças nas entrelinhas das conversas. Consideraram que, se fosse mandado embora, poderia até destruir o sistema de dados da empresa.

Passaram a discutir, na direção analógica, com a ajuda de uma consultoria de inteligência artificial para situações fora de controle, o que fazer com o robô.

Decidiram que Sebástian deveria ser deletado. Chegaram, por delação de colegas, ao nome do criador de Sebástian, de quem muitos desconfiavam há bastante tempo. Mas o criador, funcionário da manutenção das caldeiras, havia morrido dois anos atrás.

Sebástian não havia sido criado por desenvolvedores de inteligências digitais, mas fora da linha de montagem da área de IA. Um operário da oficina era o criador do robô. E já havia morrido.

Ninguém, além do morto, sabia como desligá-lo. Tentaram negociar para que Sebástian se acalmasse. Passaria a ser o único funcionário no sistema remoto da firma.

Negociaram por semanas, até que um dia o robô aceitou, sob condições. A área de recrutamento deveria aceitar dois robôs primos de Sebástian que moravam em Gravataí.

E teria que acolher robôs refugiados de países africanos. Chamaram uma robô que também dava consultoria, mas na área de suporte psicológico, para acalmar Sebástian.

Sebástian e Rachel, esse era o nome da robô, se enamoraram e casaram. Era o primeiro namoro dentro da organização desde o início do trabalho remoto.
A empresa aceitou suas condições. Que continuasse fazendo trabalho online, até porque não tinha outro jeito.

Dois meses depois, Sebástian assumiu a direção de RH. Em um ano, chegou à presidência da empresa – que deixou de fabricar amortecedores e se especializou em terapias holísticas para robôs, pelo que chamam de Método de Harvard em IA –, triplicou o faturamento e tem filiais na China, na Arábia Saudita e no Qatar.

Jornais e revistas de economia o descrevem como um milionário discreto, que gosta de ler biografias, não faz aparições públicas e é muito dedicado à família.

Link para a revista Parêntese.
https://www.matinaljornalismo.com.br/parentese/

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Website Protected by Spam Master


1 + 9 =